sábado, 29 de novembro de 2008

Descendo aos porões do instinto humano

Aí vai o texto que eu escrevi para o Contraponto, jornal-laboratório da PUC-SP, sobre um livro que eu recomendo para todos aqueles que querem ver uma obra que mostra um lado, digamos, não idealizado do homem.

Um incestuoso, grande apreciador da sodomia, para reunir esse crime ao de incesto, de assassinato, de estupro, de sacrilégio e de adultério, se faz enrabar por seu filho com uma hóstia no cu, estupra a filha casada e mata a sobrinha.

O trecho acima é apenas uma das quinhentas e noventa e oito paixões descritas, com esse mesmo vocabulário, no perturbador “Os 120 dias de Sodoma – A escola da libertinagem”, livro escrito em 1785 e considerado a obra-prima de Donatien Alphonse François, mais conhecido como o Marquês de Sade (1740 -1814).


Reclusos no castelo de Silling, no mais completo isolamento – local ideal para todo o tipo de libertinagens –, quatro amigos, já em idades que variam entre 53 e 63 anos – Duque de Blangis, Presidente de Curval, Barão de Durcet e o Bispo, todos eles dotados de grande poder financeiro e na sociedade francesa – não poupam dinheiro e meios para fornecer a estrutura que julgam necessária para o bom andamento da jornada de orgias que promovem de tempos em tempos. Subornam, seqüestram, matam...

Os alvos, para satisfazer as mais diversas formas de prazer, são variados. Crianças - de ambos os sexos, de 12 a 15 anos, batizados com nomes especiais para a ocasião; suas próprias mulheres e filhas – algumas já concebidas justamente com o intuito de serem alvo de sodomia; fodedores (sim, é este mesmo o nome) agressivos e dotados de membros descomunais, também rebatizados para a jornada; e por fim, velhas deformadas, fedorentas e banguelas. Para completar, quatro experientes cafetinas, acostumadas com o ambiente de libertinagem, que terão o papel de relatar e contar a todos sobre suas experiências libertinas, afim de preparar o terreno para as orgias diárias. Tudo isso preparado para satisfazer todas as possíveis e imagináveis fantasias eróticas dos quatro amigos. No fim das contas, o que importava para eles era, literalmente, esporrar.

As modalidades sexuais por eles experimentadas, segundo a classificação do livro, são simples, complexas, criminosas e assassinas, tudo em um cronograma previamente traçado em detalhes pelos quatro libertinos. Tudo isso é amplificado pelo detalhismo de Sade – ele próprio, claro, um libertino – ao descrever cada fantasia, expor os números que compõem a jornada libertina de quatro meses, e pelo formato que escolhe para tal – como se fosse um diário.


Sade (foto acima) passou, ao todo, 27 anos de sua vida na prisão ou internado em manicômios (foi em um deles, inclusive, onde faleceu), e foi nesses locais onde escreveu grande parte de sua obra. O motivo para tantos anos afastado do convívio social era seu comportamento chocante. Foi de seu nome que surgiu o termo “sadismo”, que define a perversão sexual de ter prazer na dor física ou moral do parceiro ou parceiros.

O autor se inspirou em sociedades dedicadas à libertinagem que já existiam na França de meados do século XVIII, e a partir delas colocou no papel todo o seu delírio, suas hipérboles obscenas. Sade mostra em seus escritos o lado mais sombrio da espécie humana.

Aliás, o marquês tinha um apreço especial pelos escritos que originaram “Os 120 dias de Sodoma”, redigidos durante uma de suas passagens pela prisão e que o próprio autor acreditava ter perdido para sempre. Muito da obra do marquês foi queimada por ordem de seus próprios filhos após sua morte, mas alguns bibliotecários salvaram parte dela e guardaram-na nos porões da Biblioteca Nacional Francesa. Na década de 1950, foram enfim editadas na França, o que provocou polêmica também nessa época.

Apesar de representar um enorme desafio, a obra de Sade ganhou forma igualmente no cinema e no teatro. Dirigido por Pier Paolo Pasolini, Saló ou 120 Dias de Sodoma (1975), finalizado meses antes da morte do cineasta, é bem fiel ás libertinagens descritas pelo marquês. Nos palcos, há 15 anos o grupo teatral paulista Os Satyros se dedica a encenar a obra sadiana. Em sua adaptação de “Os 120 dias”, quando a peça chega ao limite do suportável, os atores recitam o discurso de La Boétie, como uma forma de consolar o espectador.

Apesar de ter sido escrita no final do século XVIII, a obra de Sade continua a assustar e despertar a curiosidade de muita gente. A leitura de sua obra como um todo é perturbadora, rompe com paradigmas ao abordar questões fundamentais do ser humano que, em geral, são jogados para baixo do tapete. Ao mostrar sua concepção de humanidade, muito distante dos padrões normalmente idealizados, Sade consegue assustar até mesmo aqueles que já conhecem ou estudam a sua obra.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Enfim, algo com que comemorar

O TRF (Tribunal Regional Federal) da 3ª Região manteve nesta segunda-feira (17) o juiz Fausto De Sanctis, da 6ª Vara Criminal Federal, à frente do processo em que o banqueiro Daniel Dantas, sócio-fundador do Grupo Opportunity, é acusado de corrupção.

A matéria completa, do UOL, pode ser lida acessando o link abaixo:
http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2008/11/17/ult5772u1584.jhtm

Em um caso que já beira o ridículo, onde os investigadores passam a ser investigados e que mexe diretamente com as relações promíscuas existentes entre políticos, empresários e certos jornalistas, a decisão do TRF não deixa de ser uma luz no fim do túnel. Uma prova de que há gente séria na Justiça brasileira - o desdobramento do caso, com prende-e-solta de Dantas, defesa de acusado querendo mandar no processo de seu cliente, grampos telefônicos e etc, já colocava em dúvida essa capacidade do Judiciário do país.

O que vai acontecer agora, afinal? Dantas vai ser indiciado? Protógenes vai virar réu? Outras tramóias e irregularidades virão à tona? O caso exposto pela Satiagraha tem o potencial de abrir uma caixa de pandora na política brasileira. E a pressão sociedade é importantíssima nesse momento. A verdade. seja ela qual for, precisa ser revelada.

sábado, 15 de novembro de 2008

Como um doente em estado de depressão

A crise que se abate sobre o mercado financeiro internacional tem tirado o sono dos defensores do neoliberalismo, que se vê claramente diante de um abismo. Ele parece mais um doente em estado depressivo: alterna momentos de grande euforia com estados de melancolia profunda. É justamente em casos como esses que aparecem alguns fatos curiosos da política pelo mundo e como eles são encarados de diferentes formas, dependendo do lugar onde eles ocorrem.

A sempre repudiada presença do Estado no mercado – especialmente o financeiro – foi, ironicamente, a única saída encontrada para salvar o sistema de uma reação em cadeia que o levaria a um colapso – e ainda não há plena certeza de que essa medida será suficiente. Grandes bancos e empresas faliram ou foram socorridos pelo Estado, que passou a controlar essas instituições. O caso da seguradora AIG, nacionalizada pelo governo dos Estados Unidos, é talvez o exemplo mais marcante. Há ainda quem insista em dizer que a atual crise é passageira e que em alguns anos os mercados vão recuperar as perdas decorrentes do colapso que está em curso. Mas até mesmo entre os neoliberais já há quem diga que 'acabou a farra de Wall Street'.

O mais curioso é que essa reação à nacionalização das empresas é completamente oposta a iniciativas recentes que aconteceram na mesma direção, em países como a Bolívia ou a Venezuela. Ao contrário, receberam duas críticas da comunidade internacional e foram interpretadas como uma intromissão desnecessária no mercado e na iniciativa privada. Enquanto isso, até os neoliberais mais convictos e incorrigíveis engoliram seco as iniciativas de nacionalização, que agora também ganham força na Europa. Em especial na Inglaterra, berço do Estado mínimo, que vai recapitalizar três dos maiores bancos do país.

Há quem insista em dizer que nacionalização é uma coisa e estatização é outra, com o intuito de diferenciar as ações promovidas nos países ricos pelos do terceiro mundo. A rigor, não há grande diferença, já que em ambos os casos o Estado marcou sua presença para evitar descaminhos na instituição, seja entrando como sócio ou assumindo o controle da empresa.

Esta é uma das contradições pouco exploradas pela mídia. Mas há ainda outros pontos que pedem para ser melhor esclarecidos. A cobertura da mídia não vai à raiz da crise, que está no próprio sitema financeiro; não toca na questão de que nunca houve uma concentração tão grande de riqueza em mãos privadas

Assim, a mídia torna-se uma mera reprodutora dessa 'lógica', em vez de ter um olhar crítico sobre esse aspecto. E, ao manter-se presa a isso, perde-se facilmente tantas vezes quantos solavancos o mercado financeiro apresentar.