terça-feira, 26 de maio de 2009

O limiar de uma nova era

A crise que atinge as economias globais não tem precedentes na história da humanidade. Difere das outras grandes crises capitalistas de 1896, 1929 e 1973. Os modelos aplicados anteriormente para a resolução dessas crises já não funcionam corretamente – a intervenção estatal keynesiana, para a crise de 1929, e a saída monetarista e do livre mercado em 1973. Ambas as fórmulas foram aplicadas para combater os efeitos da crise que explodiu de vez em setembro de 2008.

É nesse ponto em que Robert Kurz faz em “Perdedores Globais”. É uma análise um tanto quanto apocalíptica, ao afirmar que a ciência política está em crise. Mas os fatos vislumbrados já em 1997 (estamos agora em 2009) chegam para endossar a análise de Kurz. O mundo mudou depressa, mas os métodos de avaliação e combate dos problemas que surgem continuam os mesmos. Os Estados são cada vez mais fracos perante às empresas multinacionais, mas são aos primeiros que tais corporações recorrem quando não possuem mais recursos para continuarem existindo – GM, Chrysler, AIG, certos bancos, entre outros tantos exemplos. Quem ajuda quem nesse contexto?

As soluções político-econômicas conhecidas já não empolgam. O neoliberalismo ficou desnudo em sua incompetência e inutilidade; a maioria dos Estados se encontra endividado demais para socorrer suas economias, tendo muitas vezes que recorrer a novos empréstimos – que, por sua vez, tornam-se cada vez mais escassos. E os preceitos de inspiração marxista ficaram maculados pela distorção stalinista que sofreram ao serem implantados nos antigo bloco socialista. Economistas, por exemplo, se sentem como cães que acabaram de cair de um caminhão de mudança, sem saber a quem e o que recorrer, muito menos o que dizer

Não é exagero dizer que todos nós somos os perdedores globais. Até mesmo os grandes capitalistas já sofrem os efeitos desta que é a mais democrática das crises – claro que uns a sentem mais do que outros, mas nenhum setor da economia e da sociedade está passando ileso pela crise global. Mas afinal de contas, o que será daqui para frente?

É como se toda a humanidade estivesse em uma montanha russa e entrasse dentro de um looping gigantesco, radical, onde quase sequer é possível abrir os olhos para ver onde se encontra ao certo. E em seguida desse looping, entram em um túnel escuro como os que são vistos em casas de terror em parques de diversões e onde mal se pode esperar pela hora de enxergar qualquer luz que seja ao final do túnel.

Na verdade, estamos no limiar de uma nova era. Se ela será boa ou ruim, já é uma outra história – e duvido que haja alguém que consiga ter uma resposta minimamente satisfatória para a situação atual e seus desdobramentos.

Medo, incerteza, improvisos, sacrifícios, esgotamento, necessidade de mudança são alguns dos sentimentos que pautam essa época de transição. E somente com uma nova crítica social – que, aliás, ainda precisa ser elaborada – será possível entender e agir de maneira satisfatória perante os novos e ainda desconhecidos desafios que vão surgir.

terça-feira, 19 de maio de 2009

Pouco conhecida, Camorra é pior do que máfia siciliana

A agência estatal italiana Ansa traz despacho que noticia a prisão de um dos líderes da Camorra, a máfia napolitana.

O fato é com certeza algo a ser comemorado. Afinal, um chefão do crime está atrás das grades. O problema é que este é somente UM deles.

Apesar de não ser tão conhecida quanto à Cosa Nostra, a máfia siciliana, a Camorra consegue ser tão ou mais perigosa que a organização da Sicília. Descentralizada, ela não tem um chefe supremo como a Cosa Nostra, mas sim dividida em vários clãs, o que torna muito mais difícil a adoção de qualquer tipo de luta contra o criem organizado. Não é porque um chefe foi preso que a organização ficará acéfala ou com vazio de poder. A Camorra tem cérebros e mão-de-obra de sobra para manter o seu poder.

O livro “Gomorra”, de Roberto Saviano, conta detalhes dessa complexa e poderosa organização criminosa. Já nas primeiras páginas, a extensão dos tentáculos da Camorra já assusta. Por exemplo, segundo a publicação, a Camorra controla mercados como o das grandes grifes italianas, um dos principais cartazes que a Itália exibe ao mundo. Sem contar o contrabando de cigarros, tráfico de drogas e controle sobre a produção de cimento da região do sul da Itália. O livro também ganhou sua versão para o cinema, onde foi comparado por alguns com o brasileiro “Cidade de Deus”.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

A capital brasileira dos assassinatos

Não é apenas no eixo Rio –SP onde a violência é alta e preocupa. Pouco lembrada no Brasil, a cidade de Recife, capital de Pernambuco, também sofre – e muito – com os efeitos da criminalidade e com homicídios. Para variar, esse lado sombrio da “Veneza brasileira” não é retratado por nenhuma mídia nacional de expressão, mas pelo jornal britânico ‘The Independent”, veículo para lá de respeitado em todo o mundo.

Dentre as vítimas dessa capital dos assassinatos, o perfil clássico dos eliminados sem dó nem piedade: jovens (meninos de rua), negros e pobres. Em boa parte das mortes, há o envolvimento de policiais militares, o que é admitido até mesmo pelo chefe da delegacia de Homcídios da cidade.

Há também a questão dos esquadrões da morte que atuam não apenas na cidade, mas em todo o Estado, e que respondem por pelo menos um terço dos homicídios. Um policial integrante de um desses esquadrões justifica sua atuação afirmando que tais grupos fazem "serviço social" ao eliminar elementos supostamente perigosos para a sociedade.

A organização PE Body Count já citada aqui anteriormente, é também lembrada no texto do "The Independent" ao relatar a existência de um contador de homicídios instalado em plena capital pernambucana. A organização mantém um blog com notícias relacionadas à violência da região, segurança pública e um contador com as mortes ocorridas durante o ano, o que rendeu a seus idealizadores o Prêmio Wladimir Herzog na categoria Internet, em 2007.



A iniciativa do Pebody Count também é lembrada pelo texto do “Independent”
So routine is murder in Recife that a small group of residents installed the electronic body count. Eduardo Machado, the group's chief organiser, explained that it was an attempt to shock the city fathers into action because, he claims, at present they are turning a blind eye.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

O que vale mais, dinheiro ou seus princípios?

Um amigo meu me fez uma perguntinha para lá de maliciosa e que pode pegar quem estiver desavisado. Critiquei uma matéria da Folha de S.Paulo sobre militares, questionando o espaço maior que eles vem ganhando nas páginas do jornal. Juntando com ditabranda e ataques à Dilma Rousseff baseados em documentos frios, disse que parecia que a Folha estava com saudade da ditadura. a matéria segue abaixo

http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u564309.shtml

Então, um amigo meu chega e me pergunta: "O que vale mais, são seus pensamentos sobre o veículo ou o dinheiro (salário)?"

Minha resposta segue abaixo:

Uso para início de conversa uma frase de Cláudio Abramo (jornalista que trabalhou na Folha e no Estado, e que era comunista). "Ao trabalhar em um jornal, você faz um acordo consigo mesmo." Digo isso porque é o seguinte: todo veículo da grande imprensa (e até mesmo alguns da pequena ou média) tem alguma merda ja feita no curriculo, não tem muito pra onde fugir. A mídia hoje está na mão dos que tem poder e usam os veiculos nesse sentido. Se for pensar a ferro e a fogo, eu nunca faria jornalismo.

MAS, E SEMPRE HÁ UM MAS..... para ter um mínimo de crediblidade, o jornal precisa de pessoas que não necessarimente estejam alinhadas com o pensamento do jornal, mas que sejam capazes de trazer leitores e anunciantes ao jornal - são especialmente estes ultimos que sustentam de fato o veículo. É nessa contradição, nessa brecha existente na mídia onde muitos profissionais procuram atuar - eu mesmo procuro seguir essa linha. O fato de eu trabalhar em uma empresa do Grupo Folha quer dizer que eu apoio a dittadura? Claro que não, assim como acontece com a imensa maioria dos profissionais que trabalham lá.

Da mesma foram que é necessario ter uma integridade de principios, você precisa tbm comer, beber, vestir, pagar contas. É com a grana que eu ganho no veículo onde estou que eu me mantenho e pago cerca de 40% das contas de casa. E não me sinto vendido nem nada parecido. Caco Barcellos é um vendido para a Globo? Duvido, a Globo precisa de profissionais como ele para mostrar pluralismo e credibilidade,dar um plus à programação da emissora. Claro que tem aqueles que simplesmente vestem a camisa do veículo e subir dentro dele a qualquer preço, usando até mesmo a cabeça de seus colegas como degrau.

Mas é possivel sim vc ter uma ideologia diferente da dos donos do veículo onde vc trabalha justamente por conta dessa contradição que há na mídia. Sem contar tbm que a verdadeira ideologia dos donos de jornal e a ideologia da grana. Se defender a esquerda começar a dar dinheiro, ela vai defender a esquerda - como a própria Folha fez na década de 1980, quando a redação tava repleta de marxistas, trotskistas, maoístas e outros istas da vida - alguns desses são meus professores na PUC hj.

Em suma: é possivel seu ético e manter seus principios trabalhando na grande imprensa? Sim, e acho queaí esta uma das coisas que fascinam no jornalismo. Se isso não estivesse bem claro na minha vida, já teria pulado fora do jornalismo.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Desserviço ao leitor

Matéria do UOL de ontem (10/05) relata que menos de 20 mil pessoas assitiram à missa que o papa Bento XVI realizou na Jordânia, país que classifcado na matéria como berço do catolicismo mas que hoje tem 92% da população de fé islâmica. O título é "Fora de casa", papa reúne menos de 20 mil pessoas em estádio de Amã; Bento 16 chega a Israel nesta segunda.

Só por esses dados, o título da matéria soa como ridículo. É verdade que há uma mea-culpa no meio do texto, mas o mais relevante dessa matéria está alguns parágrafos abaixo: a relação entre os cristãos do país com a comunidade muçulmana – muito boa, o que dá um contraponto interessante para uma região que sofre com a intolerância religiosa:

Focamos em trabalhos de educação (em universidades e institutos mantidos pela Igreja Católica), mas sem o objetivo de que os estudantes se convertam ao cristianismo, mas para que eles se tornem bons humanos", diz na matéria o porta-voz do Vaticano na Jordânia.

E mais: as autoridades jordanianas reconhecem a importância da religião católica no país.

Ou seja, uma matéria que teria tudo para trazer um ótimo contraponto e um exemplo contra o problema da intolerância religiosa, crônico no Oriente Médio, traz como chamariz o fato menos importante, fútil e sensacionalista: o de haver só 20 mil pessoas na missa do Papa. Um desserviço ao leitor e a mera reiteração do senso comum.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Pirataria na Somália: um outro lado

Quando ouve-se falar da Somália atualmente, o assunto em geral é pirataria. Não a de produtos chineses que inundam as prateleiras de estabelecimentos de todo o mundo, mas pirataria parecida com a praticada no século XVII, onde os galeões carregados de metais preciosos eram cobiçados.

Sobre tal assunto, a matérai de João Paulo Charleaux no Estadão de hoje traz um lado bastante revelador da questão da pirataria somali - e que não lembro de ter visto em nenhum outro lugar da imprensa brasileira até então. O trecho segue abaixo, mas quem preferir pode também acessar o texto no portal do Estadão.

"De fato, a pirataria somali teve início com pequenas milícias marítimas armadas na região autônoma de Puntlândia, que pretendiam rechaçar a incursão de pesqueiros estrangeiros e de navios que faziam da costa somali destino de toneladas de lixo.

"Nossa pesca desapareceu completamente e não podemos mais pescar", disse um pirata que se identificou apenas como Daybad em entrevista à rede britânica BBC. "Pescaremos qualquer coisa que passe por nossos mares por que precisamos comer.""

Longe de querer defender a prática da pirataria, esse fato revelado acima não deixa de ser revelador. Uma verdadeira relação de causa e efeito.

terça-feira, 5 de maio de 2009

Alarde demais, gripe de menos

Desde o final de abril o principal assunto da mídia internacional é a mais nova gripe a se disseminar pelo mundo, apelidada de gripe suína. A todo momento, novos casos são confirmados pelo planeta. Mas pode-se dizer com segurança que a gripe suína não é tão feia quanto tem sido noticiada mundo afora.

Até agora (04/05), vinte países registraram casos, com cerca de mil infectados ao todo. Mortos pela doença somam 25, quase todos no México, país onde a doença surgiu. Na última epidemia internacional, a da chamada gripe aviária, que começou em 2003 e continua atacando, foram registrados até agora 421 infectados e quase a metade morreu. Quem traz o paralelo é o jornal El País, em matéria traduzida para o UOL.

A matéria ainda classifica o vírus da gripe suína como de fácil difusão – o que explica a grande quantidade de casos confirmados até agora – mas de baixa mortalidade. O número foi superestimado no começo, especialmente no México, quando mortes causadas por outras doenças ou por complicações vindas de gripes comuns foram anunciadas como sendo provocadas pela nova gripe suína. A Cidade do México, por exemplo, ficou deserta na última semana, a pedido do governo para tentar frear o contágio. Os chineses foram ainda mais longe e colocaram de quarentena cidadãos mexicanos que se encontravam no país.

Dá para notar um alarde exagerado dos meios de comunicação, dos governos em todo o mundo e até mesmo da OMS a respeito da gripe suína. Ela é claramente mais grave do que uma gripe comum, mas não é tão grave quanto outras varidades piores de gripe que já deixaram maior estrago por aí, como a aviária e a histórica gripe espanhola de 1917-1918.

Aliás, em vez de simplsmente fomentar o alarde exagerado em relação à doença, falta à mídia fazer certas ponderações e questionamentos: quais as diferenças da gripe suína de outras que já atacaram anteriormente? Por que este ou aquela gripe é mais ou menos letal do que outra? Que critérios a OMS adota para classificar um determinado surto ou epidemia de uma doença? Em vez de responder ou buscar respostas a estas perguntas, opta-se pelo alarmante – que tem maior apelo de audiência.

No fim das contas a gripe suína (que agora já é chamada de gripe A ou H1N1) acaba gerando alarde demais, mas gripe de menos.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

15 anos

Há 15 anos, o Brasil perdia seu maior representante nos esportes a motor, ídolo nacional e até mesmo em outros países (como o Japão). A morte de Ayrton Senna da Silva tem implicações que persistem até os dias de hoje: questões relacionadas à segurança dos pilotos nos carros de F-1; quem era melhor, Senna ou Schumacher?; e a lacuna deixada pelo piloto no automobilismo brasileiro, que ainda não foi devidamente preenchida.




Senna foi a última vítima fatal na F-1. E também de um fim de semana que parecia maldito. Dois dias antes, 29 de abril, outro brasileiro, o então novato Rubens Barrichello quase engrossou a lista de mortes no fatídico GP de San Marino, em Ímola (Itália). Já no dia seguinte, o austríaco Roland Ratzenberger não teve a mesma sorte e morreu durante o treino oficial.

O pior ainda estava por vir, com a batida de Senna na sétima volta da corrida. A partir de então, a prova (vencida por Schumacher) passou a ficar em segundo plano. Senna morreu, e sua morte desencadeou uma verdadeira revolução na segurança dos carros de F-1, que foi ainda reforçada pelo acidente do austríaco Karl Wendlinger nos treinos para o GP de Mônaco, corrida seguinte à Ímola. Os carros evoluíram em velocidade, mas não em segurança, o que começou a mudar a partir da temporada seguinte, como mostra matéria do UOL Esporte de hoje.




O ano da morte de Senna marcou a ascensão de Michael Schumacher na categoria, que já vinha obtendo bons resultados nos anos anteriores (estreou em 1991). 1994 teria sido o ano onde o brasileiro e o alemão seriam os principais oponentes um do outro. Daí vem o debate: quem é o melhor, Senna ou Schumacher? Levando-se em conta a trajetória e as condições encontradas por cada um durante a carreira, ainda acho que Senna era melhor - sem patriotagens.



Outra implicação séria da morte repentina do tricampeão é o surgimento de uma lacuna que nunca mais foi ocupada. A primeira vitória de um piloito brasileiro pós-Senna aconteceu somente em 2000 no GP da Alemanha, com Rubens Barrichello. A ultima chance real de ganhar um título mundial foi no ano passado, com Felipe Massa – e perdeu na última curva para Lewis Hamilton. Apesar disso, viu-se um clima de mobilização e torcida por um piloto brasileiro que não acontecia desde a morte de Senna.



Se há um piloto que sofreu com o estigma pós-Senna, este é Barrichello. Chamou para si a responsabilidade de continuar a trajetória vitoriosa do Brasil na F-1, mas quando teve um carro competitivo em suas mãos, ficou à sombra de Schumacher - e acusado de não fazer os devidos esforços para sair desta sombra. Agora, tem novamente um carro que pode trazer vitórias (Brawn GP), mas não tem feito o suficiente para ficar à frente de seu companheiro, Jenson Button. Como já disse anteriormente, esta é achance derradeira de Barrichello de conseguir um título na F-1.



Já Felipe Massa tem mais crédito. Ingressou na Ferrri ainda durante a era Schumacher na escuderia, e conseguiu um clima melhor dentro da equipe do que seu antecessor. Além dos erros que qualquer piloto comete, Massa foi vitima especialmente dos erros da Ferrari ano passado - como a história do pirulito eletrônico no GP de Cingapura, um verdadeiro mico para a escuderia italiana. Para 2009, novamente a Ferrari não parece ter forças para dar um titulo seja para Massa ou Räikkönen.



O outro brasileiro na F-1, Nelsinho Piquet, balança na Renault. Com um temporada apenas regular em 2008, se vê ameaçado de nem sequer terminar este ano na equipe.



Tudo indica que, para 2009, a lacuna continuará. Enquanto isso, seguem as homenagens a um dos maiores ídolos da história do esporte brasileiro - se não for de fato o maior deles.