sexta-feira, 15 de abril de 2011

Plebiscito sobre desarmamento: fazer ou não fazer?

A tragédia ocorrida na escola Tasso da Silveira, no Realengo (zona oeste do Rio) trouxe novamente ao debate nacional a questão da circulação de armas no Brasil. Uma das propostas é a realização de uma nova consulta popular sobre o tema, proibindo ou não o comércio no país. A questão é: vale a pena fazê-lo?


A população brasileira já foi às urnas em outubro de 2005 para decidir justamente sobre esse assunto, conforme previsto no Estatuto do Desarmamento aprovado em 2003. Na época, 63,94% da população votou contra a proibição do comércio de armas. Agora, com o massacre ocorrido no Realengo, parlamentares no Congresso – incluindo o presidente do Senado, José Sarney – querem um nova consulta à população. Data prevista para o referendo até já existe, o dia 2 de outubro deste ano.

Mas afinal de contas, é mesmo necessário um novo referendo? Os argumentos daqueles que são favoráveis à medida defendem que “muita coisa” mudou desde 2005, quando a população votou contra a proibição do comércio de armas. Já os críticos afirmam que a proposta é oportunista - especialmente no momento atual, logo após o massacre na escola de Realengo - e não vai mudar nada quanto à circulação de armas no país, tampouco contribuir para a redução da violência.

E de fato a proposta é oportunista e inútil. Um novo referendo sobre o tema apenas serviria de palanque para raposas de plantão (entre políticos, empresários e etc) aparecerem. A consulta teria o mesmo efeito que enxugar gelo, faria barulho, serviria de palanque para os oportunistas de plantão e não levaria a lugar algum.

Muito mais efetivo e necessário é o cumprimento do Estatuto do Desarmamento. Normais existem de sobra, mas de nada valem se não são respeitadas. Colocar a culpa somente no mercado paralelo de armas também não adianta, porque falta controle adequado sobre o que é vendido dentro da lei aqui no Brasil. Um artigo bem esclarecedor do Instituto Sou da Paz joga por terra os argumentos a favor de um novo referendo, entre outros mitos.

Enquanto isso, outras iniciativas alcançam resultados mais práticos. Como a Semana do Desarmamento Infantil, que terminou hoje e conseguiu recolher 2.913 armas de brinquedo, além de 3.258 DVDs de filmes e jogos violentos em São Paulo. Pode até parecer pouco, mas certamente serve de exemplo para outras ações do gênero e traz melhores resultados do que a proposta de um novo plebiscito.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Em troca de armas, gibis

“Arma não é brinquedo”. É esse slogan que move a Semana do Desarmamento Infantil, promovida pelo Instituto Sou da Paz em parceria com a Prefeitura de São Paulo e a Polícia Militar na região do M’Boi Mirim, zona sul da cidade.



A campanha, que teve início ontem e vai até quinta-feira, consiste na entrega de armas de plástico pelas crianças, que as trocam por presentes – no primeiro dia, receberam gibis. Ao mesmo tempo, o Instituto também mantém um programa permanente de entrega voluntária de armas. Uma instalação artística será construída com os objetos recolhidos durante a semana. Mais informações podem ser obtidas no blog da campanha: http://www.soudapaz.org/desarmasp/

A iniciativa ganhou ainda mais importância após o massacre que resultou na morte de 12 crianças em uma escola pública do Realengo, zona oeste do Rio, e a volta do debate sobre o desarmamento no Brasil. Uma das ideias, inclusive, é a realização de um novo referendo sobre o tema. No anterior, em outubro de 2005, 63,94% da população optou pela não proibição do comércio de armas no país, mas a tragédia no Realengo pode levar à mudança desse resultado.

Só no primeiro dia de campanha, 1.134 armas de brinquedo foram entregues, assim como 2.154 DVDs de jogos e filmes violentos. Outras 150 escolas públicas e particulares de São Paulo também participam da iniciativa desta semana.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Bravatas, erros e testemunha desprotegida

A denúncia em tempo real da execução de um suspeito de roubo feita por PMs em Ferraz de Vasconcelos (Grande SP) chamou a atenção da mídia e da sociedade. Seria algo extremamente positivo, mas alguns grandes detalhes podem colocar tudo a perder. Dois deles são a tal apuração das resistências seguidas de morte e a situação da própria denunciante.


Eventos como esse costumam vir acompanhados de surpreendentes "disposições" das autoridades em elucidar o problema. A mais recente mostra de boa vontade veio do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. "Agora serão todos [os casos de resistência seguida de morte] investigados pelo departamento especializado para ter uma apuração rigorosa e reprimir abusos".

Tudo muito belo e comovente na teoria, mas um detalhe praticamente ignorado pela cobertura da mídia desfaz essa ilha da fantasia.

Trata-se do famigerado termo “resistência seguida de morte”, também conhecido como “auto de resistência”. Trata-se de uma junção (inexistente) de dois crimes do código penal - Resistência à prisão e homicídio - e que não existe legalmente. É um artificio usado pela polícia para designar uma situação na qual o agente mata um suposto criminoso sob alegação de legítima defesa, mas que se converteu em símbolo da impunidade que marca as ocorrências de abuso de autoridade.

Sem fundamento jurídico, não pode ser investigada. Logo, todas as promessas que o poder público vem fazendo na mídia de apurar rigorosamente tais casos são tão infundadas quanto a malfadada expressão.


Ou seja, somente com o banimento dos “autos de resistência” ou “resistências seguidas de morte” dos Boletins de Ocorrência é que será possível apurar, de fato e com base jurídica, os casos de abuso de autoridade. Somente em 2010 foram 495 mortos em confrontos coma polícia em São Paulo. Quando considerados dados dos últimos cinco anos, o numero passa de 2.200, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SP.

O outro ponto se refere à condição da denunciante da execução. A ampla divulgação do áudio deixou a testemunha exposta, já que foi feita sem nenhum tipo de distorção da voz da mulher. Prova disso, segundo ela própria, é a entrevista que deu para o jornal Agora SP, na qual mostra sua decepção com a Corregedoria da PM.

"Eu não acredito mais. Uma coisa que aconteceu em março. Falaram que iriam me preservar. A prova de que isso não é verdade é que eu estou falando com você nesse momento", disse.

Espera-se que não, mas é bem provável que algum veículo mais sensacionalista - para não dizer irresponsável - divulgue o nome da denunciante em breve, deixando-a ainda mais exposta do que já está. Com isso, quem vai se sentir encorajado a denunciar atos bárbaros como o ocorrido em Ferraz de Vasconcelos? Qual a garantia de proteção?


O círculo vicioso movido pela violência e pela impunidade, infelizmente, agradece.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Triste quinta-feira

O dia 7 de abril marcou a entrada do Brasil no grupo nada glorioso dos países a registrarem massacres em escolas.


Um homem abriu fogo contra estudantes da oitava série da escola municipal Tasso da Silveira, no Realengo, zona oeste do Rio de Janeiro. O atirador é um ex-aluno da escola, Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, que teria se suicidado após levar um tiro na perna de um policial militar. Doze jovens entre 12 e 15 anos morreram pela ação de Wellington e outras 13 pessoas ficaram feridas.

Sobre Wellington apareceram inicialmente as mais diversas hipóteses, de vítima de bullying na infância a extremista islâmico. Nenhuma delas estava correta. Relatos de pessoas próximas indicaram que ele sempre teve um comportamento recluso, mas nada que levasse a crer a capacidade de promover semelhante massacre. A carta suicida que deixou (leia aqui na íntegra), bastante confusa e com citações a Deus e perdão, é forte indício de que o ato foi inteiramente premeditado. A estranha rotina que tinha – saía de casa e voltava todos os dias nos mesmos horários – e a habilidade em lidar com com as armas usadas no ataque, também. A casa de Wellington estava toda revirada, como se houvesse a intenção de destruir toda e qualquer pista. Seria mais um caso de uma mente psicótica? Até o momento, é a hipótese mais plausível.

Durante todo o dia, informações desencontradas, pânico, choro, indignação, perplexidade e revolta. Na internet, foi praticamente automática a comparação do incidente na escola de Realengo com outros casos conhecidos internacionalmente, como nas escolas de Columbine (1999) e Virginia Tech (2007), ambas nos EUA. O caso ganhou repercussão em veículos de comunicação de todo o mundo.

Agora, mesmo com toda a perplexidade gerada pelo episódio, uma série de perguntas surgem. Como a mídia vai se comportar diante desse caso, inédito no Brasil? Como será a apuração dos fatos? Que medidas serão tomadas pelas escolas e em relação a elas quanto à segurança? O que de fato levou Wellington a tal barbárie e como foi a preparação?


Muitas são as questões, e as respostas ainda são quase nulas.

De certeza, apenas a de que o Brasil entrou para o triste clube dos países que já registraram massacres em escolas (neste link, uma relação dos casos ocorridos nos últimos cinco anos).

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Testemunha denuncia execução em tempo real na Grande SP

Uma reportagem publicada hoje pelo jornal “O Estado de S.Paulo” traz um relato daqueles que ajudam a responder à pergunta do post anterior: por que a população brasileira confia pouco na polícia?. Uma testemunha presenciou a execução de uma pessoa em um cemitério de Ferraz de Vasconcelos (Grande SP) e teve o sangue frio de fazer a denúncia em tempo real ao 190, telefone do Centro de Operações da Polícia Militar.

O crime ocorreu em março deste ano. A testemunha, além de denunciar o crime, teve a coragem de usar a própria ligação ao 190 para se defender do PM autor da execução, que foi em sua direção após notar a presença dela no local. Segundo a reportagem, o oficial queria “levá-la à delegacia”, oferta negada pela denunciante.

Os policiais militares acusados de execução registram um boletim de ocorrência de roubo seguido de resistência e morte. Alegavam que o homem morto havia resistido à prisão. Mas a iniciativa da testemunha fez a versão dos policiais cair por terra. Dois PMs estão detidos no presídio Romão Gomes, na capital paulista.

Mais uma mancha da reputação de uma instituição que, segundo levantamento divulgado no fim de março pelo Ipea, goza de pouca confiança junto à sociedade.

Ligando os pontos

Uma pesquisa divulgada no último dia 30 pelo Ipea revela o grau de confiança da população brasileira na polícia. E o quadro não é dos mais positivos para a corporação, seja ela civil ou militar.


O resultado mais negativo foi detectado entre os Estados do Sudeste. Na região, somente 3% dos entrevistados afirmaram ter muita confiança nas polícias Militar e Civil, enquanto 75,15% disseram confiar pouco ou não confiar na atuação das instituições.

O melhor resultado é verificado entre os Estados do Nordeste, onde o grau de alta confiança nas polícias estaduais chega a 5,8%, contra 70,15% entre os que não confiam.

Entender o porquê desse pé atrás da população com as polícias é simples. Basta ligar alguns pontos:


- A Chacina da Baixada, pior massacre da história do Rio de Janeiro, completou seis anos no último dia 28 e até o momento nenhuma das famílias que perderam entes na ocasião foi indenizada pelo crime, cometido por forças policiais. O caso da Chacina da Baixada e outros tantos do tipo são relatados no livro “Auto de Resistência”.

- Passados quase cinco anos, pouco ou nada foi devidamente esclarecido a respeito dos chamados “crimes de maio”, resultantes da ação desmedida da PM paulista após os ataques da facção criminosa PCC pelo Estado de São Paulo. A estimativa mais usada é de que 493 pessoas foram mortas pela polícia em situações classificadas como “resistência seguida de morte” entre os dias 12 e 20 de maio de 2006 – outras projeções apontam que as vítimas passaram de 500.

- em todo o Brasil pipocam denúncias e provas da participação de policiais civis e militares em grupos de extermínio.

Agora, ligue os pontos acima com as inúmeras denúncias de abusos de autoridade cometidos por policiais. Com base nesses dados, fica fácil entender os motivos pelos quais a população brasileira tem tão pouca confiança no trabalho da polícia... E todos saem perdendo, tanto a corporação quanto a população.