segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Heliópolis no ar e pelo mundo

A região de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, é geralmente associada a aspectos negativos – violência, carência de serviços básicos, desemprego, falta de perspectiva de vida. Mas essa classificação acaba por esconder ou mesmo fechar os olhos para características e virtudes da comunidade.

Sim, a maior favela de São Paulo tem problemas proporcionais ao seu tamanho, mas também é de lá que surgem iniciativas e projetos diversos de igual grandeza, que ajudam a dar ao local uma outra cara e trazem autoestima à população. A seguir, apenas dois deles:

Instituto Baccarelli: entidade sem fins lucrativos criada em 1998 por iniciativa do maestro Silvio Baccarelli, se dedica a ensinar música clássica a crianças e jovens de Heliópolis. Atualmente são cerca de 1.200 pessoas atendidas pela instituição.

Parte delas saiu em turnê pela Europa no mês de outubro, passando por Inglaterra, Holanda e Alemanha, com exibições em algumas das casas de música clássicas mais famosas do mundo. A excursão europeia foi relatada pelos participantes em um blog, intitulado “De Heliópolis para o Mundo”.

As fotos abaixo são de uma das apresentações realizadas pelo instituto na Sala São Paulo, no último dia 19 de dezembro. O espetáculo contou com diversos corais e orquestras organizados pela instituição.



Rádio Heliópolis (FM 87,5 MHz): primeira – e até agora única – rádio comunitária legalizada da cidade de São Paulo, a Heliópolis transmite muito mais do que música, é um verdadeiro canal de comunicação da comunidade, estimada em 125 mil pessoas. Ao estilo das rádios de pequenas cidades do interior, pelas ondas da Heliópolis são divulgados desde eventos diversos na comunidade até extravio de documentos. O acesso até os estúdios é bem simples, sendo que qualquer um pode chegar para pedir a canção preferida ou para passar algum recado de interesse da comunidade.



Mas até alcançar a tão sonhada legalização, a rádio Heliópolis passou por maus bocados. Fundada em 1992, tinha a programação transmitida por meio de auto falantes em postes. Em 1997, a rádio entra no ar em FM, 102,3 MHz. Mas, pressionada por emissoras comerciais e pela burocracia na legislação, ficou até 2008 em situação considerada ilegal pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A emissora chegou a ser fechada em 2006, em uma ação truculenta da Polícia Militar. Recebeu uma autorização prévia de funcionamento da entidade em maio de 2008, mas o registro definitivo veio apenas em 15 de junho de 2009. Contou com o engajamento da comunidade e com o apoio de instituições diversas que deram suporte à rádio para superar as dificuldades.

Atualmente a rádio ainda se mobiliza em favor de outras emissoras comunitárias que ainda brigam pelo registro na Anatel e tentam abandonar o status de ilegal que têm perante à agência reguladora. Além de Heliópolis, a emissora pode ser sintonizada também em parte dos bairros paulistanos de São João Clímaco, Vila Carioca, Vila Alpina, Vila das Mercês, Sacomã, Vila Bela e Ipiranga, além do município de São Caetano do Sul.

Heliópolis pode ter uma série de problemas, mas é no mínimo injusto fechar os olhos e ignorar o alcance e os benefícios gerados por estas e outras iniciativas idôneas. Seja partindo de dentro da comunidade ou de fora dela, elas devem ser incentivadas para que, em um futuro próximo, as notícias depreciativas que em geral recaem sobre a comunidade tornem-se cada vez mais raras.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Perguntas ainda sem resposta

Passada toda a euforia após a ocupação militar das comunidades da Vila Cruzeiro e do Alemão, no Rio de Janeiro, algumas questões permanecem em aberto. Abaixo, apenas duas delas:


- Onde estão os mortos? Até o momento, ainda não há lista oficial. No campo extraoficial, os números diferem, dependendo da fonte: 37 pessoas morreram durante as operações na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, segundo a PM; a Secretaria de Segurança identificou 18 vítimas, mas admite que o “número pode chegar a 40”; já o jornal “Folha de S.Paulo” contabiliza 51 mortos. Não se sabe como tais homicídios ocorreram, tampouco se os mortos eram bandidos ou inocentes. Pelo jeito, se juntarão aos mais de 8 mil homicídios sem solução no Estado, segundo o jornal “O Globo”;

- o governo do Rio até agora não divulgou, a exemplo dos mortos, uma lista completa dos detidos durante a ação militar – quantos estão na cadeia, quantos já foram liberados.

Há estas e outras perguntas sem resposta. E mais: quando e como elas serão respondidas. As autoridades não parecem lá muito empenhadas em dar satisfações sobre essas questões, aproveitando a ampla aprovação que as ações contra o tráfico receberam da sociedade carioca, na casa dos 88%.

Pelo jeito, tais respostas, a exemplo de outros casos – conhecidos ou não – devem vir à tona somente pelos meios alternativos. Por familiares de vítimas que, cansadas de aguardar pelo poder público ou já sabendo que pouco ou nada podem esperar dele, procuram as respostas por conta própria. E muitas vezes as encontram.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Site expõe as vísceras da diplomacia global

O portal WikiLeaks vem colocando a política internacional em polvorosa ao divulgar, desde o último dia 28 de novembro, cerca de 250 mil documentos secretos emitidos por representações diplomáticas dos EUA de todo o mundo. O vazamento expõe as vísceras da política internacional e questiona a existência de liberdade de expressão.


O WikiLeaks foi lançado em 2006 e desde o ano seguinte divulga informações que considera importantes para o público – e de conteúdo bombástico. Entre as principais, estão abusos e denúncias de torturas cometidos por militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão. É coordenado pelo jornalista e ciberativista australiano Julian Assange e conta com uma extensa rede de colaboradores pelo mundo, que fornecem os dados que são pouco a pouco revelados pelo site.

Desde que começou a publicar os documentos, o WikiLeaks e seu criador estão enfrentando uma pressão crescente, tanto de governos quanto de empresas. A Amazon Web Server, por exemplo, baniu o site de seus servidores – a pedido do senador republicano estadunidense Joe Lieberman. O parlamentar, aliás, diz que os jornais que publicaram documentos divulgados pelo WikiLeak podem ser investigados sob acusação de violar as leis de espionagem dos EUA.

Para o governo estadunidense, “vidas de diplomatas são colocadas em risco” com a divulgação dos documentos. Outro a criticar o WikiLeaks foi o Reino Unido, por meio do porta-voz da residência oficial do premiê David Cameron. "Os vazamentos e sua publicação são prejudiciais para a segurança nacional nos EUA, no Reino Unido e em outros lugares. É vital que os governos possam operar com base na confidencialidade da informação", destacou.

A mídia se divide entre o aplauso e a condenação ao vazamento promovido pelo site. Mas parte dos veículos e comentaristas veem no WikiLeaks uma amostra de jornalismo e de transparência. Prova disso são os dois prêmios que o portal já recebeu desde a sua criação, o New Media Award, da revista The Economist (2008), e New Media Award, da ONG Anistia Internacional (2009).

Alguns servidores que hospedavam o WikiLeaks, como o estadunidense Amazon, tiraram o site do ar. Para Assange, colocar o WikiLeaks lá foi de “propósito”, para mostrar que a liberdade de expressão, tão apregoada nos EUA, é uma piada. No entanto, redes de simpatizantes do site fazem campanha em prol do portal. Sites espelho são criados com o conteúdo do site original e provedores de outros países se prontificaram a abrigar o WikiLeaks – até o momento, o conteúdo está hospedado em um servidor suíço e disponível no seguinte endereço: http://wikileaks.ch/

O teor dos documentos revelados no último dia 28 de novembro podem não chegar a representar uma surpresa – apesar de sigilosos, não chegam a ser considerados “top secret”, que tratam de segredos de Estado. Mas os dados divulgados pelo WikiLeaks ratificam impressões já existentes quanto à atual única superpotência global. Em especial, a pobre visão que detêm da conjuntura internacional, demonstrada pelos comentários preconceituosos – às vezes até infames – de personagens conhecidos no cenário internacional. Entre eles, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, considerado “maluco”; o premiê russo Vladimir Putin e o presidente Dmitri Medveedev chamados de “Batman” e “Robin”, respectivamente; e questionamentos sobre a saúde mental da presidente argentina, Cristina Kirchner.