segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A semana em que o Rio parou (mais uma)

A onda de violência no Rio de Janeiro foi o assunto da semana no Brasil e repercutiu em todo o mundo. Cenas de movimentação militar e de guerra que não ficam muito atrás do que vê em locais como Iraque,Afeganistão, Haiti e Palestina. Agora, mídia e autoridades comemoram o sucesso da operação de retomada das comunidades da Vila Cruzeiro e do Alemão frente aos traficantes do Comando Vermelho como se fosse "o começo do fim do crime" no Rio.


Claro, não é preciso pensar muito para perceber que não dá para levar tal euforia a sério. Nunca é demais lembrar que, enquanto a desiguldade social não for combatida com o mesmo afinco com o qual as forças policiais sobem os morros em busca de traficantes, o exército do crime sempre terá soldados prontos para matar e morrer, perpetuando o círculo vicioso já existente.


O espectro da guerra está presente no cotidiano, nas expressões usadas para falar dos acontecimentos violentos no Rio e que ganharam maior força nesta semana: guerra ao tráfico, invasão, ocupação, território, conquista... Nos discursos das autoridades políticas e das forças de segurança, palavras que parecem saídas de soldados dos EUA chegando ao Iraque: “Trouxemos a liberdade”, “O Estado retomou a Vila Cruzeiro”, etc... De nada valerão tais palavras se seguirem o exemplo dos ianques no Oriente Médio.


Depois dos ataques promovidos durante a semana por traficantes na cidade e na Baixada Fluminense, supostamente em reação às chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), a imprensa – em especial a internacional – destacou a insegurança na cidade, que sediará jogos da Copa de 2014 e receberá a Olimpíada de 2016. A capacidade do Rio para acolher tais megaeventos, claro, foi questionada. Daí, deve ter vindo o principal motivo para o Estado compensar sua ausência crônica das periferias e preparar a reação.


Então, veio o revide, com cerco e posterior invasão às comunidades da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão – aparentemente, bem sucedidas. Mídia e autoridades comemoram como se fosse o começo do fim do crime no Rio de Janeiro e emplacam expressões demagógicas uma atrás da outra. Mas euforias à parte, há perguntas que não querem calar.


Sim, de fato, é difícil ver Polícia Militar, Civil, Federal e forças militares atuando juntas, em sintonia. Mas a dúvida cruel que fica neste caso, a princípio, é: por que tal sincronia não ocorreu antes? O que faltou para que o mesmo ocorresse no Morro dos Macacos, em 2009, poucos dias após a escolha do Rio para os Jogos de 2016?


A essas e outras pergunta as autoridades preferem não responder – se é que saberiam como fazer isso. Em vez disso, por exemplo, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, prefere afirmar às câmeras da mídia nacional e internacional que a tomada do Complexo do Alemão significa o início do processo para "recuperar 30 anos de abandono das comunidades carentes". Já o prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciou que vai instituir o dia 28 de novembro como "data de refundação" da cidade por causa do sucesso (até agora) da operação.


Ainda no campo das demagogias pós-triunfos, as autoridades preferem fazer promessas de que, se conseguiram “voltar” ao Alemão (pelo menos aqui admitem a existência da omissão do Estado , mesmo que sem usar tais palavras), podem fazer o mesmo com as comunidades da Rocinha e do Vidigal; ou então afirmar que a próxima invasão será a de “serviços públicos”. Tudo muito bonito e comovente, mas alguns meses bastarão para constatar se as promessas feitas diante das câmeras e gravadores serão de fato cumpridas. A população tem o direito de cobrar e o dever de ficar de olho.

Ainda sobre a população - lado mais fraco da corda e que costuma sofrer tanto na mão de bandidos quanto apanhar e até mesmo morrer por meio do Estado que deveria protegê-la -, o medo de “esculachos” – gíria que designa os abusos de autoridade cometidos por agentes policiais – que existia durante as operações não deixará de existir imediatamente. Já existem relatos de truculência das forças de ocupação durante a incursão na Vila Cruzeiro. A polícia tem um longo caminho a percorrer no sentido de mudar de vez a imagem truculenta – quando não de repressora e assassina – perante à população mais carente, que habita tais comunidades. Se o vai trilhar, o tempo se encarregará de dizer.
Os próximos meses serão decisivos. É inegável que o governo do Rio e as forças policiais ganharam um voto de confiança da sociedade no combate ao crime organizado e pelo menos tentar amenizar o abandono da periferia. Mas tal crédito recebido deve ser cobrado com juros nas próximas faturas – e o calote do governo  ou o pagamento dessa dívida com dinheiro sujo (violência, descaso, desrespeito à pessoa humana, indiferença, não-cumprimento das promessas) não pode ser aceito em hipótese alguma.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Após impasse, Cine Belas Artes enfim respira

Dono de uma das melhores programações entre os cinemas de São Paulo, o Cine Belas Artes, localizado na rua da Consolação, recebe enfim uma boa notícia após meses de impasse.


Ameaçado de fechamento no final deste ano por causa do fim do patrocínio dado pelo banco HSBC, os donos do local chegaram a declarar que, caso o Belas Artes não conseguisse patrocínio até julho, o tradicional cinema encerraria as atividades.

Agora o discurso já é outro.

Em vídeo gravado pela Folha.com, André Sturm, um dos sócios do estabelecimento, descarta o fechamento do Belas Artes e diz que espera fechar um novo patrocinador em breve. Segundo o empresário, já há negociações adiantadas com uma empresa que seria “a cara” do tradicional cinema paulistano.

Para o cenário cultural de São Paulo, é uma ótima notícia e uma mostra de resistência do circuito alternativo da cidade, que já teve importantes baixas nos últimos anos. Não apenas entre as salas de cinema (cines Gemini e Lilian Lemmertz, como exemplos mais recentes), mas também outros pontos tradicionais que também entraram em decadência, como a Livraria Belas Artes e o Bar Riviera, ambos na região da avenida Paulista.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Polícia descarta grupo de extermínio em AL

Trinta e seis mortos só neste ano. Essa é a situação dos moradores de rua em Alagoas, especialmente na região da capital, Maceió. Como se já não bastasse a miséria de não viver sob um teto, eles ainda precisam se preocupar com a onda de assassinatos. O medo é tão grande que alguns já procuram dormir em árvores para tentar se proteger de possíveis ataques.


A Polícia Civil e a Força Nacional de Segurança entregaram hoje um relatório sobre o resultado das investigações das mortes. Dos 36 óbitos, somente um não foi classificado como homicídio. Mas descartaram a existência de grupos de extermínio atuando contra os moradores de rua. A conclusão é de que as mortes estão relacionadas ao tráfico de drogas.

Já o secretário estadual de Defesa Social, Paulo Rubin, que também descartou a existência de grupos de extermínio em Alagoas, soltou uma verdadeira “pérola”, ao afirmar que a onda de mortes entre os moradores de rua são “criminosos se matando”.

Ao contrário do secretário, outros grupos que acompanham os casos – como o Ministério Público, OAB, entre outros – não descartam a atuação de grupos de extermínio e pressionam o governo a investigar as mortes.

No último dia 12, o secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, disse que o histórico dos assassinatos apontava para a existência de grupos de extermínio.

Apesar de a própria Força Nacional descartar a hipótese de grupo de extermínio, é no mínimo improvável que tão alto número de homicídios de moradores de rua em tão pouco tempo tenha o vício em drogas como motivo. Parece mais fácil acreditar em Papai Noel ou no Coelho da Páscoa.

sábado, 20 de novembro de 2010

Barbeiros de plantão

Para andar pelas ruas e avenidas de São Paulo, é necessário estar preparado para tudo (quando possível, é claro). Engarrafamentos, enchentes, assaltos, etc. Como se nada disso bastasse, há também a preocupação com as barbeiragens que certos motoristas são capazes de fazer.




A foto acima foi tirada na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, no último dia 11 de novembro, por volta das 16h30. O motorista, além de fazer uma conversão proibida, ficou atravessado na pista, aumentando o transtorno já provocado pelo trânsito costumeiro do horário.

Um retorno à auto escola e às aulas do CFC (Centro de Formação de Condutores) cairiam muito bem ao barbeiro de plantão. E tenho a impressão que casos como esse são mais comuns do que se pode imaginar.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Bancada da bala

A indústria de armas e munições já mostrou ser poderosa no Brasil. Além da vitória no referendo sobre o desarmamento de 2005, ela também despeja milhares de reais nas campanhas de candidatos. No 1º turno, as empresas do setor doaram R$ 1,55 milhão a candidatos.


Segundo matéria do jornal Folha de S.Paulo, os três candidatos que receberam mais recursos das indústrias de armas foram reeleitos para vagas na Câmara; Onyx Lorenzoni (DEM-RS), com R$ 250 mil; Sandro Mabel (PR-GO), que declarou R$ 180 mil; e Abelardo Lupion (DEM-PR), que recebeu R$ 120 mil.

sábado, 6 de novembro de 2010

Na teoria, uma coisa; na prática, outra

A coluna “Fatos em Foco”, do jornal semanal Brasil de Fato, relata que em 29 de outubro três homens não identificados foram assassinados a tiros na Vila União, na região do Capão Redondo, periferia de São Paulo.


Eles foram abordados por supostos policiais, colocaram as mãos para cima e foram fuzilados. Essa foi a 12ª chacina do ano registrada na região metropolitana – 46 pessoas já morreram neste ano em crimes nos quais três ou mais pessoas foram assassinadas ao mesmo tempo.

A tendência, infelizmente, é que o caso tenha o destino de tantos outros semelhantes que ocorrem pela Grande São Paulo – seja arquivado.

Enquanto notícias recentes publicadas na imprensa indicam queda nos índices de criminalidade, o fato ocorrido no Capão Redondo mostra que ainda há pouco, ou mesmo nada, a ser comemorado.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Quando o luto vira luta

Na linguagem policial, “auto de resistência” é quando um policial mata um opositor em legítima defesa – mas que, na verdade, também é usado para encobrir abusos cometidos pelos agentes contra inocentes. Já o livro “Auto de Resistência” dá outro significado à expressão, o de resistência e luta contra a violência e a impunidade. O luto que vira luta.


O livro, organizado por Barbara Musumeci Soares, Tatiana Moura e Carla Afonso, é resultado de uma das atividades do Projeto de Apoio a Familiares de Vítimas de Chacinas, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes (Rio de Janeiro) e pela Universidade de Coimbra, com apoio da Fundação Ford.



A publicação dá voz aos familiares (em sua grande maioria, mulheres) das vítimas de chacinas e casos de violência que podem ter caído no esquecimento para a imprensa, opinião pública ou mesmo da Justiça – chacinas do Acari, Maracanã, da Baixada, Vigário Geral, Candelária, entre outras. As histórias contidas no livro trazem só uma amostra do drama vivido pelas famílias das vítimas, já que o problema não é exclusividade do Rio e da Baixada Fluminense.

Em “Auto de Resistência” o luto pela morte e desaparecimento de entes queridos após ações da polícia torna-se o combustível na luta pela resolução da morte de cada vítima. Mas, sobretudo, torna-se também uma forma de impedir que esses casos caiam no esquecimento e evitar que outras pessoas sofram a mesma dor carregada por esses familiares.

Outra fonte importante de energia são as mensagens de apoio vindas de diversas partes do Brasil e do mundo que enfrentam problemas semelhantes aos existentes no Rio, foco do livro, e em outras cidades brasileiras e no exterior.

Combater esse bom combate não é tarefa fácil. Precisam provar a inocência da vítima, buscar provas às vezes por conta própria; têm de acompanhar processos tramitando por anos em tribunais, muitos deles ainda sem solução; precisam ser mais fortes do que o desânimo, o desgaste físico e emocional, superar quadros de depressão e vencer o vazio deixado em suas vidas pelas vítimas – a própria diagramação do livro, com amplos espaços em branco, parece traduzir o vazio que as vítimas deixam na vida de familiares e amigos. Precisam continuar vivendo para permanecerem na luta e não desamparar aqueles que ainda dependem delas – outros filhos, marido, netos e outros familiares.

Há casos de assassinatos que sequer chegaram a virar inquéritos policiais, que praticamente não existem do ponto de vista jurídico; são raros os casos que dão origem a denúncias no Ministério Público; ainda mais escassos são os que levam os criminosos ao banco dos réus; a condenação e prisão dos culpados pode ser considerada um milagre.

Mesmo com tantas dificuldades jurídicas, materiais e pessoais, o livro relata avanços importantes na luta contra a impunidade. Entre eles: maior repercussão e espaço – mesmo que ainda tímidos – em meios de comunicação; casos já conhecidos de condenações e detenções de culpados pelos crimes; reconhecimento e apoio internacional por parte de organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos; além do intercâmbio e assistência mútua com outras entidades organizadas de vítimas da violência do Estado no Brasil e pelo mundo afora.

Conhecer tais histórias é uma boa forma de tomar consciência – mesmo que de forma brusca – dos efeitos do flagelo da violência. Serve também como um chamado para que cada um, da maneira que for possível, junte-se ao coro dos familiares das vítimas no pedido de justiça e de uma sociedade mais solidária e menos violenta.

Livro: Auto de Resistência – Relatos de familiares de vítimas da violência policial
Organização: Barbara Musumeci Soares, Tatiana Moura e Carla Afonso
Editora: 7 Letras
Preço: R$ 38