sexta-feira, 8 de abril de 2011

Bravatas, erros e testemunha desprotegida

A denúncia em tempo real da execução de um suspeito de roubo feita por PMs em Ferraz de Vasconcelos (Grande SP) chamou a atenção da mídia e da sociedade. Seria algo extremamente positivo, mas alguns grandes detalhes podem colocar tudo a perder. Dois deles são a tal apuração das resistências seguidas de morte e a situação da própria denunciante.


Eventos como esse costumam vir acompanhados de surpreendentes "disposições" das autoridades em elucidar o problema. A mais recente mostra de boa vontade veio do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. "Agora serão todos [os casos de resistência seguida de morte] investigados pelo departamento especializado para ter uma apuração rigorosa e reprimir abusos".

Tudo muito belo e comovente na teoria, mas um detalhe praticamente ignorado pela cobertura da mídia desfaz essa ilha da fantasia.

Trata-se do famigerado termo “resistência seguida de morte”, também conhecido como “auto de resistência”. Trata-se de uma junção (inexistente) de dois crimes do código penal - Resistência à prisão e homicídio - e que não existe legalmente. É um artificio usado pela polícia para designar uma situação na qual o agente mata um suposto criminoso sob alegação de legítima defesa, mas que se converteu em símbolo da impunidade que marca as ocorrências de abuso de autoridade.

Sem fundamento jurídico, não pode ser investigada. Logo, todas as promessas que o poder público vem fazendo na mídia de apurar rigorosamente tais casos são tão infundadas quanto a malfadada expressão.


Ou seja, somente com o banimento dos “autos de resistência” ou “resistências seguidas de morte” dos Boletins de Ocorrência é que será possível apurar, de fato e com base jurídica, os casos de abuso de autoridade. Somente em 2010 foram 495 mortos em confrontos coma polícia em São Paulo. Quando considerados dados dos últimos cinco anos, o numero passa de 2.200, segundo a Secretaria de Segurança Pública de SP.

O outro ponto se refere à condição da denunciante da execução. A ampla divulgação do áudio deixou a testemunha exposta, já que foi feita sem nenhum tipo de distorção da voz da mulher. Prova disso, segundo ela própria, é a entrevista que deu para o jornal Agora SP, na qual mostra sua decepção com a Corregedoria da PM.

"Eu não acredito mais. Uma coisa que aconteceu em março. Falaram que iriam me preservar. A prova de que isso não é verdade é que eu estou falando com você nesse momento", disse.

Espera-se que não, mas é bem provável que algum veículo mais sensacionalista - para não dizer irresponsável - divulgue o nome da denunciante em breve, deixando-a ainda mais exposta do que já está. Com isso, quem vai se sentir encorajado a denunciar atos bárbaros como o ocorrido em Ferraz de Vasconcelos? Qual a garantia de proteção?


O círculo vicioso movido pela violência e pela impunidade, infelizmente, agradece.

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