segunda-feira, 31 de março de 2008

Visão de um futuro não muito distante - momento desabafo

Visão de um futuro não muito distante

O endereço continua o mesmo. Mas somente ele.

O dia é 10 de novembro de 2018. Noto algo diferente ao chegar no prédio principal da universidade onde estudei e que, mesmo com todos os seus problemas, passei alguns dos melhores momentos de minha vida. A construção, que antes mais lembrava um edifício-garagem, agora é revestida de vidro, dando ao prédio um visual meio high-tech. O prédio mais antigo ainda é preservado, mas o anexo do campus, do outro lado da rua, ficou na lembrança.

Na entrada principal, uma surpresa. Uma longa série de catracas dominava o saguão. Sem carteirinha, sem acesso ao interior do prédio. Dizem que é para evitar "elementos estranhos" nas dependências da universidade, como os participantes de manifestações que "atentavam contra a moral, os bons costumes e a história de luta da instituição".

Mas também para evitar inadimplentes. Um aluno não conseguiu entrar no campus porque sua mensalidade estava dois dias atrasada. Ele foi obrigado a voltar para casa.

O interior do campus mais lembra um shopping center. Lojas de grife, escadas rolantes e elevadores panorâmicos... muita coisa mudou desde o expurgo de 2008 e 2009, quando as vozes dissonantes do status quo da universidade foram silenciadas. Nada que nada que algumas borrifadas de spray de pimenta e salvas de balas de borracha não resolvam contra os subversivos.

Aulas? Agora são semi-presenciais, basta vir nos dias de prova – mas é possível dar um jeito de fazê-las de casa. As pessoas não têm mais tempo para conversar umas com as outras ou com seus professores, todas estão preocupadas com o mercado de trabalho. Nas poucas salas ainda utilizadas para as poucas aulas que o computador e o ensino remoto ainda não conseguiram suprimir, impera a desconfiança e a indiferença. O que importa é o diploma, obtido agora em tempo recorde, um ano apenas – cursos de quatro, cinco anos são caros demais.

Mas estava acontecendo algo diferente no anfiteatro da universidade, lotado, sem lugar para uma pulga sequer. Era a apresentação de um longo trabalho, que envolvia anos e mais anos de pesquisa. O autor, um jovem, acaba de ler, triunfante, o resultado da pesquisa, que segundo ele próprio dizia, corrigia uma série de injustiças cometidas ao longo dos anos naquela instituição e contra a mesma. E assim, respaldado pela alta cúpula da universidade e pelos demais presentes que lotavam, quase declamava a conclusão de seu longo trabalho, considerada a biografia definitiva da universidade.

"Meus amigos, permita-me usar as palavras de um conselheiro meu, que dizia: Eu prefiro é uma ditadura...". Aplausos interrompem o jovem, que volta então à carga, com força total.


"Nunca acolhemos intelectuais subversivos e jamais houve aqui uma esquerda católica que difundiu a Teologia da Libertação. Claro, porque a verdadeira liberdade é a escravidão, a submissão. A polícia que aqui esteve por duas vezes foi, na verdade, para salvar esta instituição de se afogar no mar vermelho que ameaçava tomar conta deste país. Aliás, não gostou? Peça para sair, meu querido fanfarrão... Por isso, em verdade nos digo: A PUC jamais combateu a ditadura, a PUC sempre apoiou a ditadura".

NÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Abro os olhos assustado. O quarto, escuro. No relógio, quatro horas da manhã do dia 10 de novembro de 2008. Aniversário da segunda invasão policial da universidade. O coração disparado, as roupas e o lençol ensopados de suor. Não, o que tive foi um pesadelo, mas será que ele pode-se tornar real? O que afinal de contas eu tenho feito por esse ambiente ao qual, indiferente ou não aos acontecimentos, dedico parte de meu tempo?

O que teria acontecido com aqueles 60 anos de história? Teria sido diferente se eu tivesse feito algo? Não é possível, não posso aceitar isso. Mas na verdade aceitei ao dar uma banana àqueles que mesmo sem jeito tentava, cada um a seu modo avisar do que ocorria na universidade. Mas não dei ouvidos quando me diziam que aquilo tudo que eu conhecia estava ruindo.

Ainda há tempo de mudar isso? Sim, ele existe. Mas corra, ele está cada vez mais curto.

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