sábado, 13 de dezembro de 2008

13/12/2008 - Uma data para o Brasil acertar as contas com seu passado




Previsão do tempo:

Tempo negro.

Temperatura sufocante.

O ar está irrespirável.

O país está sendo varrido por fortes ventos.

Máx.: 38º, em Brasília.Mín.:5º, nas Laranjeiras.

(Publicado no Jornal do Brasil, no dia seguinte à decretação do AI-5)


Com essas palavras, o Jornal do Brasil, há 40 anos, anunciava o começo de uma das páginas mais tristes da história recente do Brasil: a imposição por parte da ditadura militar do Ato Institucional nº5, o famigerado AI-5.



O Ato representou o começo da fase mais sombria do regime militar no Brasil, os chamados Anos de Chumbo, que vão do fim do governo Costa e Silva (1967-1969) ao governo do general Médici (1969-1974). Com ele, o Congresso Nacional e as Assembléias Legislativas estaduais foram colocados em recesso, e o presidente, à época o general Costa e Silva, passou a ter plenos poderes para cassar mandatos eletivos, suspender direitos políticos, suspender o habeas-corpus em crimes contra a segurança nacional, legislar por decreto, julgar crimes políticos em tribunais militares, dentre outras medidas autoritárias.



Paralelamente, nos porões do regime, o pau comia solto em cima daqueles que ousava levantar a voz contra o regime. Generalizava-se o uso da tortura, do assassinato e de outros desmandos. Tudo em nome da "segurança nacional". E até hoje, certas instituições em funcionamento no Brasil ainda não se livraram de todo de certos traços desse período. Basta ver a conduta de certos policiais militares (claro, não se pode generalizar) em cidades como Rio, São Paulo ou em Recife.

E justamente no final de um ano consagrado na história mundial e na do Brasil como um momento de grande contestação da política e dos costumes. Uma forma nada animadora de encerrar 1968, recheado de manifestações ao redor do mundo e considerado “o ano que não terminou”.


Enquanto isso, os militares entoavam slogans de “para frente, Brasil!”, ou “Brasil, Ame ou Deixe-o!” e a seleção de futebol conquistava o tricampeonato mundial de futebol no México (1970). Talvez na época grande parte do povo, contagiada pelas conquistas do futebol e pela ilusão do “milagre econômico”, não enxergasse o que se passava na surdina, nas batidas realizadas pela polícia na calada da noite contra os opositores ao regime. Hoje, vê-se o tamanho da hipocrisia propagada pelos militares.

Na edição de hoje (sábado, 13/12/2008), o jornal Folha de S.Paulo informa, através da pesquisa Datafolha, um dado já esperado. Oito em cada dez brasileiros (82%, segundo o levantamento) nao sabem o que foi o AI-5. Isso se deve, em grande parte, ao fato do Brasil ser um país despolitizado, onde a política passa longe do cotidiano da maioria da população. O ensino de péssima qualidade, com livros didáticos contendo erros sobre o episódio ou até mesmo omitindo-o, também ajudam.

Felizmente, com o passar do tempo percebeu-se o grande salto para trás que o AI-5 representou para o Brasil, politica, cultural e historicamente.


A data é de extrema importância para o Brasil, um dos poucos países da América Latina (se não for o único) que ainda não acertou completamente suas contas com o passado. A abertura dos arquivos da época, antiga demanda das organizações de Direitos Humanos e da sociedade civil, continua emperrada na burocracia e na falta de vontade política – alguns dos que nela ainda atuam são remanescentes dessa época e, pelo jeito, estão cheios de culpa no cartório. A Lei da Anistia, aplicada em 1979, acabou sendo uma faca de dois gumes, livrando a cara de torturadores ao mesmo tempo em que a ditadura mostrava sua “abertura lenta, gradual e segura” e começava a afrouxar suas rédeas em uma tentativa de sobreviver a um contexto histórico que já condenava o regime à morte. Hoje, há uma intensa luta de setores organizados da sociedade para tentar reparar essa dívida histórica e unir, de alguma forma, os autores das atrocidades.


Independente de haver ou não na população, é de suma importância que seja feito esse acerto de contas com o passado. Países que viveram ditaduras até mais sangrentas que a brasileira, como a Argentina e o Chile, já o fizeram.

Enquanto não houver esse acerto de contas com seu passado, o Brasil não se livrará dos traumas e vícios que até hoje, de uma forma ou outra, continuam presentes na sociedade. Está mais do que na hora de o Brasil seguir o mesmo caminho e expor o que foi, de fato, os anos de chumbo por aqui, doa a quem doer. A sociedade merece essa satisfação.



É importante relembrar e enfrentar esse passado também como forma de valorizar as conquistas obtidas após a ditadura e que, bem ou mal, são usufruídas hoje pelos brasileiros. E para mostrar também que tais conquistas não vieram de graça. Foram à custa de prisões, gritos, choques elétricos, lágrimas e sangue.


Abaixo, alguns links para consulta:


Especial da Folha Online sobre o AI-5
http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2008/40anosdoai5/

Outras fontes

http://www.cpdoc.fgv.br/nav_fatos_imagens/htm/fatos/AI5.htm http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopic=378

Integra do AI-5

http://www.unificado.com.br/calendario/12/ai5.htm

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