segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Heliópolis no ar e pelo mundo

A região de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, é geralmente associada a aspectos negativos – violência, carência de serviços básicos, desemprego, falta de perspectiva de vida. Mas essa classificação acaba por esconder ou mesmo fechar os olhos para características e virtudes da comunidade.

Sim, a maior favela de São Paulo tem problemas proporcionais ao seu tamanho, mas também é de lá que surgem iniciativas e projetos diversos de igual grandeza, que ajudam a dar ao local uma outra cara e trazem autoestima à população. A seguir, apenas dois deles:

Instituto Baccarelli: entidade sem fins lucrativos criada em 1998 por iniciativa do maestro Silvio Baccarelli, se dedica a ensinar música clássica a crianças e jovens de Heliópolis. Atualmente são cerca de 1.200 pessoas atendidas pela instituição.

Parte delas saiu em turnê pela Europa no mês de outubro, passando por Inglaterra, Holanda e Alemanha, com exibições em algumas das casas de música clássicas mais famosas do mundo. A excursão europeia foi relatada pelos participantes em um blog, intitulado “De Heliópolis para o Mundo”.

As fotos abaixo são de uma das apresentações realizadas pelo instituto na Sala São Paulo, no último dia 19 de dezembro. O espetáculo contou com diversos corais e orquestras organizados pela instituição.



Rádio Heliópolis (FM 87,5 MHz): primeira – e até agora única – rádio comunitária legalizada da cidade de São Paulo, a Heliópolis transmite muito mais do que música, é um verdadeiro canal de comunicação da comunidade, estimada em 125 mil pessoas. Ao estilo das rádios de pequenas cidades do interior, pelas ondas da Heliópolis são divulgados desde eventos diversos na comunidade até extravio de documentos. O acesso até os estúdios é bem simples, sendo que qualquer um pode chegar para pedir a canção preferida ou para passar algum recado de interesse da comunidade.



Mas até alcançar a tão sonhada legalização, a rádio Heliópolis passou por maus bocados. Fundada em 1992, tinha a programação transmitida por meio de auto falantes em postes. Em 1997, a rádio entra no ar em FM, 102,3 MHz. Mas, pressionada por emissoras comerciais e pela burocracia na legislação, ficou até 2008 em situação considerada ilegal pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A emissora chegou a ser fechada em 2006, em uma ação truculenta da Polícia Militar. Recebeu uma autorização prévia de funcionamento da entidade em maio de 2008, mas o registro definitivo veio apenas em 15 de junho de 2009. Contou com o engajamento da comunidade e com o apoio de instituições diversas que deram suporte à rádio para superar as dificuldades.

Atualmente a rádio ainda se mobiliza em favor de outras emissoras comunitárias que ainda brigam pelo registro na Anatel e tentam abandonar o status de ilegal que têm perante à agência reguladora. Além de Heliópolis, a emissora pode ser sintonizada também em parte dos bairros paulistanos de São João Clímaco, Vila Carioca, Vila Alpina, Vila das Mercês, Sacomã, Vila Bela e Ipiranga, além do município de São Caetano do Sul.

Heliópolis pode ter uma série de problemas, mas é no mínimo injusto fechar os olhos e ignorar o alcance e os benefícios gerados por estas e outras iniciativas idôneas. Seja partindo de dentro da comunidade ou de fora dela, elas devem ser incentivadas para que, em um futuro próximo, as notícias depreciativas que em geral recaem sobre a comunidade tornem-se cada vez mais raras.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Perguntas ainda sem resposta

Passada toda a euforia após a ocupação militar das comunidades da Vila Cruzeiro e do Alemão, no Rio de Janeiro, algumas questões permanecem em aberto. Abaixo, apenas duas delas:


- Onde estão os mortos? Até o momento, ainda não há lista oficial. No campo extraoficial, os números diferem, dependendo da fonte: 37 pessoas morreram durante as operações na Vila Cruzeiro e no Complexo do Alemão, segundo a PM; a Secretaria de Segurança identificou 18 vítimas, mas admite que o “número pode chegar a 40”; já o jornal “Folha de S.Paulo” contabiliza 51 mortos. Não se sabe como tais homicídios ocorreram, tampouco se os mortos eram bandidos ou inocentes. Pelo jeito, se juntarão aos mais de 8 mil homicídios sem solução no Estado, segundo o jornal “O Globo”;

- o governo do Rio até agora não divulgou, a exemplo dos mortos, uma lista completa dos detidos durante a ação militar – quantos estão na cadeia, quantos já foram liberados.

Há estas e outras perguntas sem resposta. E mais: quando e como elas serão respondidas. As autoridades não parecem lá muito empenhadas em dar satisfações sobre essas questões, aproveitando a ampla aprovação que as ações contra o tráfico receberam da sociedade carioca, na casa dos 88%.

Pelo jeito, tais respostas, a exemplo de outros casos – conhecidos ou não – devem vir à tona somente pelos meios alternativos. Por familiares de vítimas que, cansadas de aguardar pelo poder público ou já sabendo que pouco ou nada podem esperar dele, procuram as respostas por conta própria. E muitas vezes as encontram.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Site expõe as vísceras da diplomacia global

O portal WikiLeaks vem colocando a política internacional em polvorosa ao divulgar, desde o último dia 28 de novembro, cerca de 250 mil documentos secretos emitidos por representações diplomáticas dos EUA de todo o mundo. O vazamento expõe as vísceras da política internacional e questiona a existência de liberdade de expressão.


O WikiLeaks foi lançado em 2006 e desde o ano seguinte divulga informações que considera importantes para o público – e de conteúdo bombástico. Entre as principais, estão abusos e denúncias de torturas cometidos por militares dos EUA no Iraque e no Afeganistão. É coordenado pelo jornalista e ciberativista australiano Julian Assange e conta com uma extensa rede de colaboradores pelo mundo, que fornecem os dados que são pouco a pouco revelados pelo site.

Desde que começou a publicar os documentos, o WikiLeaks e seu criador estão enfrentando uma pressão crescente, tanto de governos quanto de empresas. A Amazon Web Server, por exemplo, baniu o site de seus servidores – a pedido do senador republicano estadunidense Joe Lieberman. O parlamentar, aliás, diz que os jornais que publicaram documentos divulgados pelo WikiLeak podem ser investigados sob acusação de violar as leis de espionagem dos EUA.

Para o governo estadunidense, “vidas de diplomatas são colocadas em risco” com a divulgação dos documentos. Outro a criticar o WikiLeaks foi o Reino Unido, por meio do porta-voz da residência oficial do premiê David Cameron. "Os vazamentos e sua publicação são prejudiciais para a segurança nacional nos EUA, no Reino Unido e em outros lugares. É vital que os governos possam operar com base na confidencialidade da informação", destacou.

A mídia se divide entre o aplauso e a condenação ao vazamento promovido pelo site. Mas parte dos veículos e comentaristas veem no WikiLeaks uma amostra de jornalismo e de transparência. Prova disso são os dois prêmios que o portal já recebeu desde a sua criação, o New Media Award, da revista The Economist (2008), e New Media Award, da ONG Anistia Internacional (2009).

Alguns servidores que hospedavam o WikiLeaks, como o estadunidense Amazon, tiraram o site do ar. Para Assange, colocar o WikiLeaks lá foi de “propósito”, para mostrar que a liberdade de expressão, tão apregoada nos EUA, é uma piada. No entanto, redes de simpatizantes do site fazem campanha em prol do portal. Sites espelho são criados com o conteúdo do site original e provedores de outros países se prontificaram a abrigar o WikiLeaks – até o momento, o conteúdo está hospedado em um servidor suíço e disponível no seguinte endereço: http://wikileaks.ch/

O teor dos documentos revelados no último dia 28 de novembro podem não chegar a representar uma surpresa – apesar de sigilosos, não chegam a ser considerados “top secret”, que tratam de segredos de Estado. Mas os dados divulgados pelo WikiLeaks ratificam impressões já existentes quanto à atual única superpotência global. Em especial, a pobre visão que detêm da conjuntura internacional, demonstrada pelos comentários preconceituosos – às vezes até infames – de personagens conhecidos no cenário internacional. Entre eles, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, considerado “maluco”; o premiê russo Vladimir Putin e o presidente Dmitri Medveedev chamados de “Batman” e “Robin”, respectivamente; e questionamentos sobre a saúde mental da presidente argentina, Cristina Kirchner.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

A semana em que o Rio parou (mais uma)

A onda de violência no Rio de Janeiro foi o assunto da semana no Brasil e repercutiu em todo o mundo. Cenas de movimentação militar e de guerra que não ficam muito atrás do que vê em locais como Iraque,Afeganistão, Haiti e Palestina. Agora, mídia e autoridades comemoram o sucesso da operação de retomada das comunidades da Vila Cruzeiro e do Alemão frente aos traficantes do Comando Vermelho como se fosse "o começo do fim do crime" no Rio.


Claro, não é preciso pensar muito para perceber que não dá para levar tal euforia a sério. Nunca é demais lembrar que, enquanto a desiguldade social não for combatida com o mesmo afinco com o qual as forças policiais sobem os morros em busca de traficantes, o exército do crime sempre terá soldados prontos para matar e morrer, perpetuando o círculo vicioso já existente.


O espectro da guerra está presente no cotidiano, nas expressões usadas para falar dos acontecimentos violentos no Rio e que ganharam maior força nesta semana: guerra ao tráfico, invasão, ocupação, território, conquista... Nos discursos das autoridades políticas e das forças de segurança, palavras que parecem saídas de soldados dos EUA chegando ao Iraque: “Trouxemos a liberdade”, “O Estado retomou a Vila Cruzeiro”, etc... De nada valerão tais palavras se seguirem o exemplo dos ianques no Oriente Médio.


Depois dos ataques promovidos durante a semana por traficantes na cidade e na Baixada Fluminense, supostamente em reação às chamadas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), a imprensa – em especial a internacional – destacou a insegurança na cidade, que sediará jogos da Copa de 2014 e receberá a Olimpíada de 2016. A capacidade do Rio para acolher tais megaeventos, claro, foi questionada. Daí, deve ter vindo o principal motivo para o Estado compensar sua ausência crônica das periferias e preparar a reação.


Então, veio o revide, com cerco e posterior invasão às comunidades da Vila Cruzeiro e do Complexo do Alemão – aparentemente, bem sucedidas. Mídia e autoridades comemoram como se fosse o começo do fim do crime no Rio de Janeiro e emplacam expressões demagógicas uma atrás da outra. Mas euforias à parte, há perguntas que não querem calar.


Sim, de fato, é difícil ver Polícia Militar, Civil, Federal e forças militares atuando juntas, em sintonia. Mas a dúvida cruel que fica neste caso, a princípio, é: por que tal sincronia não ocorreu antes? O que faltou para que o mesmo ocorresse no Morro dos Macacos, em 2009, poucos dias após a escolha do Rio para os Jogos de 2016?


A essas e outras pergunta as autoridades preferem não responder – se é que saberiam como fazer isso. Em vez disso, por exemplo, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, prefere afirmar às câmeras da mídia nacional e internacional que a tomada do Complexo do Alemão significa o início do processo para "recuperar 30 anos de abandono das comunidades carentes". Já o prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciou que vai instituir o dia 28 de novembro como "data de refundação" da cidade por causa do sucesso (até agora) da operação.


Ainda no campo das demagogias pós-triunfos, as autoridades preferem fazer promessas de que, se conseguiram “voltar” ao Alemão (pelo menos aqui admitem a existência da omissão do Estado , mesmo que sem usar tais palavras), podem fazer o mesmo com as comunidades da Rocinha e do Vidigal; ou então afirmar que a próxima invasão será a de “serviços públicos”. Tudo muito bonito e comovente, mas alguns meses bastarão para constatar se as promessas feitas diante das câmeras e gravadores serão de fato cumpridas. A população tem o direito de cobrar e o dever de ficar de olho.

Ainda sobre a população - lado mais fraco da corda e que costuma sofrer tanto na mão de bandidos quanto apanhar e até mesmo morrer por meio do Estado que deveria protegê-la -, o medo de “esculachos” – gíria que designa os abusos de autoridade cometidos por agentes policiais – que existia durante as operações não deixará de existir imediatamente. Já existem relatos de truculência das forças de ocupação durante a incursão na Vila Cruzeiro. A polícia tem um longo caminho a percorrer no sentido de mudar de vez a imagem truculenta – quando não de repressora e assassina – perante à população mais carente, que habita tais comunidades. Se o vai trilhar, o tempo se encarregará de dizer.
Os próximos meses serão decisivos. É inegável que o governo do Rio e as forças policiais ganharam um voto de confiança da sociedade no combate ao crime organizado e pelo menos tentar amenizar o abandono da periferia. Mas tal crédito recebido deve ser cobrado com juros nas próximas faturas – e o calote do governo  ou o pagamento dessa dívida com dinheiro sujo (violência, descaso, desrespeito à pessoa humana, indiferença, não-cumprimento das promessas) não pode ser aceito em hipótese alguma.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Após impasse, Cine Belas Artes enfim respira

Dono de uma das melhores programações entre os cinemas de São Paulo, o Cine Belas Artes, localizado na rua da Consolação, recebe enfim uma boa notícia após meses de impasse.


Ameaçado de fechamento no final deste ano por causa do fim do patrocínio dado pelo banco HSBC, os donos do local chegaram a declarar que, caso o Belas Artes não conseguisse patrocínio até julho, o tradicional cinema encerraria as atividades.

Agora o discurso já é outro.

Em vídeo gravado pela Folha.com, André Sturm, um dos sócios do estabelecimento, descarta o fechamento do Belas Artes e diz que espera fechar um novo patrocinador em breve. Segundo o empresário, já há negociações adiantadas com uma empresa que seria “a cara” do tradicional cinema paulistano.

Para o cenário cultural de São Paulo, é uma ótima notícia e uma mostra de resistência do circuito alternativo da cidade, que já teve importantes baixas nos últimos anos. Não apenas entre as salas de cinema (cines Gemini e Lilian Lemmertz, como exemplos mais recentes), mas também outros pontos tradicionais que também entraram em decadência, como a Livraria Belas Artes e o Bar Riviera, ambos na região da avenida Paulista.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Polícia descarta grupo de extermínio em AL

Trinta e seis mortos só neste ano. Essa é a situação dos moradores de rua em Alagoas, especialmente na região da capital, Maceió. Como se já não bastasse a miséria de não viver sob um teto, eles ainda precisam se preocupar com a onda de assassinatos. O medo é tão grande que alguns já procuram dormir em árvores para tentar se proteger de possíveis ataques.


A Polícia Civil e a Força Nacional de Segurança entregaram hoje um relatório sobre o resultado das investigações das mortes. Dos 36 óbitos, somente um não foi classificado como homicídio. Mas descartaram a existência de grupos de extermínio atuando contra os moradores de rua. A conclusão é de que as mortes estão relacionadas ao tráfico de drogas.

Já o secretário estadual de Defesa Social, Paulo Rubin, que também descartou a existência de grupos de extermínio em Alagoas, soltou uma verdadeira “pérola”, ao afirmar que a onda de mortes entre os moradores de rua são “criminosos se matando”.

Ao contrário do secretário, outros grupos que acompanham os casos – como o Ministério Público, OAB, entre outros – não descartam a atuação de grupos de extermínio e pressionam o governo a investigar as mortes.

No último dia 12, o secretário Nacional de Segurança Pública, Ricardo Balestreri, disse que o histórico dos assassinatos apontava para a existência de grupos de extermínio.

Apesar de a própria Força Nacional descartar a hipótese de grupo de extermínio, é no mínimo improvável que tão alto número de homicídios de moradores de rua em tão pouco tempo tenha o vício em drogas como motivo. Parece mais fácil acreditar em Papai Noel ou no Coelho da Páscoa.

sábado, 20 de novembro de 2010

Barbeiros de plantão

Para andar pelas ruas e avenidas de São Paulo, é necessário estar preparado para tudo (quando possível, é claro). Engarrafamentos, enchentes, assaltos, etc. Como se nada disso bastasse, há também a preocupação com as barbeiragens que certos motoristas são capazes de fazer.




A foto acima foi tirada na avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, no último dia 11 de novembro, por volta das 16h30. O motorista, além de fazer uma conversão proibida, ficou atravessado na pista, aumentando o transtorno já provocado pelo trânsito costumeiro do horário.

Um retorno à auto escola e às aulas do CFC (Centro de Formação de Condutores) cairiam muito bem ao barbeiro de plantão. E tenho a impressão que casos como esse são mais comuns do que se pode imaginar.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Bancada da bala

A indústria de armas e munições já mostrou ser poderosa no Brasil. Além da vitória no referendo sobre o desarmamento de 2005, ela também despeja milhares de reais nas campanhas de candidatos. No 1º turno, as empresas do setor doaram R$ 1,55 milhão a candidatos.


Segundo matéria do jornal Folha de S.Paulo, os três candidatos que receberam mais recursos das indústrias de armas foram reeleitos para vagas na Câmara; Onyx Lorenzoni (DEM-RS), com R$ 250 mil; Sandro Mabel (PR-GO), que declarou R$ 180 mil; e Abelardo Lupion (DEM-PR), que recebeu R$ 120 mil.

sábado, 6 de novembro de 2010

Na teoria, uma coisa; na prática, outra

A coluna “Fatos em Foco”, do jornal semanal Brasil de Fato, relata que em 29 de outubro três homens não identificados foram assassinados a tiros na Vila União, na região do Capão Redondo, periferia de São Paulo.


Eles foram abordados por supostos policiais, colocaram as mãos para cima e foram fuzilados. Essa foi a 12ª chacina do ano registrada na região metropolitana – 46 pessoas já morreram neste ano em crimes nos quais três ou mais pessoas foram assassinadas ao mesmo tempo.

A tendência, infelizmente, é que o caso tenha o destino de tantos outros semelhantes que ocorrem pela Grande São Paulo – seja arquivado.

Enquanto notícias recentes publicadas na imprensa indicam queda nos índices de criminalidade, o fato ocorrido no Capão Redondo mostra que ainda há pouco, ou mesmo nada, a ser comemorado.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Quando o luto vira luta

Na linguagem policial, “auto de resistência” é quando um policial mata um opositor em legítima defesa – mas que, na verdade, também é usado para encobrir abusos cometidos pelos agentes contra inocentes. Já o livro “Auto de Resistência” dá outro significado à expressão, o de resistência e luta contra a violência e a impunidade. O luto que vira luta.


O livro, organizado por Barbara Musumeci Soares, Tatiana Moura e Carla Afonso, é resultado de uma das atividades do Projeto de Apoio a Familiares de Vítimas de Chacinas, desenvolvido pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) da Universidade Cândido Mendes (Rio de Janeiro) e pela Universidade de Coimbra, com apoio da Fundação Ford.



A publicação dá voz aos familiares (em sua grande maioria, mulheres) das vítimas de chacinas e casos de violência que podem ter caído no esquecimento para a imprensa, opinião pública ou mesmo da Justiça – chacinas do Acari, Maracanã, da Baixada, Vigário Geral, Candelária, entre outras. As histórias contidas no livro trazem só uma amostra do drama vivido pelas famílias das vítimas, já que o problema não é exclusividade do Rio e da Baixada Fluminense.

Em “Auto de Resistência” o luto pela morte e desaparecimento de entes queridos após ações da polícia torna-se o combustível na luta pela resolução da morte de cada vítima. Mas, sobretudo, torna-se também uma forma de impedir que esses casos caiam no esquecimento e evitar que outras pessoas sofram a mesma dor carregada por esses familiares.

Outra fonte importante de energia são as mensagens de apoio vindas de diversas partes do Brasil e do mundo que enfrentam problemas semelhantes aos existentes no Rio, foco do livro, e em outras cidades brasileiras e no exterior.

Combater esse bom combate não é tarefa fácil. Precisam provar a inocência da vítima, buscar provas às vezes por conta própria; têm de acompanhar processos tramitando por anos em tribunais, muitos deles ainda sem solução; precisam ser mais fortes do que o desânimo, o desgaste físico e emocional, superar quadros de depressão e vencer o vazio deixado em suas vidas pelas vítimas – a própria diagramação do livro, com amplos espaços em branco, parece traduzir o vazio que as vítimas deixam na vida de familiares e amigos. Precisam continuar vivendo para permanecerem na luta e não desamparar aqueles que ainda dependem delas – outros filhos, marido, netos e outros familiares.

Há casos de assassinatos que sequer chegaram a virar inquéritos policiais, que praticamente não existem do ponto de vista jurídico; são raros os casos que dão origem a denúncias no Ministério Público; ainda mais escassos são os que levam os criminosos ao banco dos réus; a condenação e prisão dos culpados pode ser considerada um milagre.

Mesmo com tantas dificuldades jurídicas, materiais e pessoais, o livro relata avanços importantes na luta contra a impunidade. Entre eles: maior repercussão e espaço – mesmo que ainda tímidos – em meios de comunicação; casos já conhecidos de condenações e detenções de culpados pelos crimes; reconhecimento e apoio internacional por parte de organismos internacionais de defesa dos Direitos Humanos; além do intercâmbio e assistência mútua com outras entidades organizadas de vítimas da violência do Estado no Brasil e pelo mundo afora.

Conhecer tais histórias é uma boa forma de tomar consciência – mesmo que de forma brusca – dos efeitos do flagelo da violência. Serve também como um chamado para que cada um, da maneira que for possível, junte-se ao coro dos familiares das vítimas no pedido de justiça e de uma sociedade mais solidária e menos violenta.

Livro: Auto de Resistência – Relatos de familiares de vítimas da violência policial
Organização: Barbara Musumeci Soares, Tatiana Moura e Carla Afonso
Editora: 7 Letras
Preço: R$ 38

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

"Autos de resistência" continuam em alta no Rio

Em visita ao Rio de Janeiro em novembro de 2007,o relator da ONU para execuções sumárias e extrajudiciais, Philip Alston, declarou: “No Brasil os policiais matam tanto em serviço como fora de serviço e nenhuma investigação é feita já que todos os índices se justificam a partir de ‘autos de resistência’ ou ‘mortes em confronto’”.

Em matéria publicada no domingo, o jornal O Estado de S.Paulo revela que 10.216 pessoas já morreram no Rio de Janeiro em confrontos com a polícia desde 1998, quando a corporação do estado começou a usar a expressão “auto de resistência” para designar oficialmente tais casos. A média é de 2,4 mortos por dia nessas condições, números dignos de conflitos armados pelo mundo. A matéria pode ser lida aqui.

A visita do relator da ONU ocorreu em 2007, mas a matéria com o resultado do levantamento no Rio mostra que pouco mudou desde então.


A origem da ferramenta jurídica “auto de resistência” está na Ordem de Serviço “N”, nº 803, de 2/10/1969, da Superintendência da Polícia Judiciária, do antigo estado da Guanabara. O dispositivo afirma que “em caso de resistência, [os policiais] poderão usar dos meios necessários para defender-se e/ou vencê-la” e dispensa a lavratura do auto de prisão em flagrante ou a instauração de inquérito policial nesses casos.

É preciso ponderar que, na verdade, não são raras as situações nas quais forças policiais precisam de fato utilizar a força (letal, se preciso) em resposta a ações hostis de bandidos. Infelizmente, a ferramenta jurídica que deveria proteger o agente policial (e, de certa forma, a própria população) acaba servindo para acobertar e deixar impunes casos de abuso de autoridade, erros da polícia, agentes que pertencem a esquadrões da morte ou milícias, entre outros.

No próximo post deste blog será possível ver como um livro conseguiu dar à expressão “auto de resistência” um outro significado, o da luta contra a dor, contra a violência e contra a impunidade. Não apenas para o Rio de Janeiro, mas para todo o Brasil.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Apoio à greve do curso de Jornalismo da PUC

O assunto deste blog é preferencialmente violência, direitos humanos e segurança pública. Mas este assunto faz jus à exceção aberta.

Como ex-estudante de jornalismo da PUC e sabendo das dificuldades que o curso enfrenta) mesmo ainda ele sendo considerado um dos melhores do país e com um enfoque único no Brasil), é preciso divulgar e apoiar a greve do curso de Jornalismo.

Os estudantes reivindicam a construção da sua agência online, melhorias da infra-estrutura dos seus prédios de aula e fim da maximização dos contrato dos professores. Em contrapartida, a PUC apenas cobra altas mensalidades e usa justamente as más condições dos prédios onde o curso de Jornalismo (bem como outros cursos) ministra suas aulas para postergar a implantção da Agência Online.

A novidade da vez é que a PUC queria que o curso de Jornalismo cortasse gastos para a implantção da Agência. Caso contrário, a margem de lucro da universidade seria afetada.

Um detalhe: a Agência online aparece no site da PUC como algo já existente, o que por sí só já valeria como propaganda enganosa.

Que os estudantes tenham sucesso no movimento e alcancem as reivindicações feitas. A PUC e o curso de Jornalismo merecem melhor tratamento da direção da universidade do que vem recebendo, para que a credibilidade e a qualidade da PUC não sejam jogadas ao lixo simplesmente por causa de "queda da margem de lucro".

Que o movimento do curso de jornalismo da PUC sirva de exemplo para estudantes não apenas da PUC, mas de outras universidades brasileiras.

Uma segurança ilusória

“Isso nunca deveria acontecer. Vigilantes armados não servem para proteger patrimônio onde há circulação de pessoas. Talvez sirvam para armazéns, mas não para shoppings ou bancos. Os vigilantes não estão preparados para confrontos, assim como a polícia em geral não está. Eu evitaria um shopping com segurança armado, porque se tratam de pessoas mal preparadas com armas na cintura”


Esta é a opinião de José Vicente da Silva Filho, especialista em segurança pública e coronel da reserva da Polícia Militar, sobre a adoção de seguranças armados em certos shopping de São Paulo para coibir assaltos. Em entrevista ao UOL Notícias, ele disse ainda que a prática é “enganosa e perigosa”, porque traz uma falsa sensação de segurança.

Um fato que poderia servir de exemplo para o que diz o especialista é a morte do aposentado Domingos Conceição dos Santos, baleado por um segurança armado em frente a uma agência bancária de São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo, em 6 de maio deste ano. O episódio foi citado em post neste blog recentemente.

domingo, 17 de outubro de 2010

Quem de fato está preso ou em liberdade?

Chácara Flora, bairro de alto padrão da zona sul de São Paulo. Casas e condomínios suntuosos, muitos deles protegidos por altos muros, cercas eletrificadas, seguranças particulares ou tudo isso junto. Ruas arborizadas e calmas, apenas com o movimento de um ou outro pedestre, além de alguns carros.


A aparente calma e paz neste e em outros bairros e condomínios de alto padrão –
não apenas de São Paulo, mas também em outras cidades brasileiras – tem por trás um sentimento de medo, insegurança. Quem tem mais recursos, não hesita em gastar em busca de proteção.

Mas qual o real preço dessa proteção? Se pararmos para pensar bem, tais bairros e condomínios tornam-se verdadeiras prisões domiciliares e, seus moradores, pessoas encarceradas. Talvez um tipo de regime semiaberto, no qual trabalha-se fora de casa durante o dia e retornem à noite. Mas ao pensar bem, pode-se perceber no ar a sensação de estar em uma prisão, como bem mostra a música “A Minha Alma”, da banda carioca O Rappa: “As grades do condomínio são para trazer proteção. Mas também trazem a dúvida se é você que está nesta prisão”

Em matéria de violência e da tentativa de se prevenir dela, a regra que vale é a do “salve-se quem puder”. Mas cada vez mais a impressão é que pouco adianta fechar-se em condomínios e ilhas de excelência em segurança e qualidade de vida se a população, independente de onde vive, não se mobilizar em busca de uma melhor segurança pública, que se estenda a todos e não somente a alguns poucos [supostos] privilegiados.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Mais do mesmo

"A desigualdade é o maior problema, porque ela enfraquece o crescimento econômico, leva a altos níveis de criminalidade e insegurança, e força o país a gastar seus escassos recursos com polícia e prisões", afirma o americano Barry Ames, diretor do departamento de ciência política da Universidade de Pittsburgh e especialista em Brasil no Centro de Estudos Latino-Americanos da instituição.

Ames é um dos acadêmicos consultados pela BBC Brasil como parte da série "O Que Falta ao Brasil?" que discute os desafios do país para se tornar uma nação desenvolvida. A matéria sobre a consulta segue no link abaixo:

http://www1.folha.uol.com.br/bbc/805732-para-brasilianistas-desigualdade-enfraquece-crescimento.shtml

Como já foi falado aqui neste espaço, de nada adianta “enxugar gelo” construindo presídios e colocando policiais nas ruas e não combater as reais causas da violência e criminalidade do país: a absurda e abissal desigualdade social.

Como diria Denis Mizne, diretor do Instituto Sou da Paz, durante debate sobre segurança pública na Fecomercio no fim de agosto, “sempre existe uma solução rápida, simples, barata e... errada”

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O fim da atualização do site PE Bodycount

Vencedor do prêmio Vladmir Herzog 2007, na categoria Internet, e do Tim Lopes de investigação em 2008, além de reconhecimento internacional. Mas nada disso foi suficiente para que o PE Bodycount, site que fazia a contagem dos homicídios ocorridos em Pernambuco, continuasse na ativa. No dia 8 de setembro foi feita a última atualização do contador, que deixa de operar por falta de recursos.



O site foi criado no começo de 2007, como uma forma de debater a segurança pública no Estado, na época o mais violento do Brasil. Além da contagem na web, os responsáveis pelo site também marcavam com tinta vermelha os locais onde ocorriam os homicídios e chegaram a contar com um contador instalado em uma grande avenida do Recife. A iniciativa, bancada por uma universidade, acabou após um ano, com o fim do patrocínio da instituição. O relógio custava R$ 14 mil por ano

Seriam necessários R$ 3.000 mensais para que o site continuasse na ativa, mas a verba teria de vir do próprio bolso dos idealizadores, tornando praticamente impossível a manutenção do espaço.

Com isso, há dois fatos importantes:

1 – o PE Bodycount deixa um importante legado, ao jogar luz em um tema pouco discutido em PE, a segurança pública, mostrando que outros lugares do Brasil além de Rio e São Paulo também sofrem com as mazelas da desigualdade, da violência e da impunidade. Há sempre a expectativa de que, um dia, o site possa voltar à ativa. Mas isso não parece possível, pelo menos a curto ou médio prazo.

2 – não há como negar que o debate em segurança pública em PE e no Brasil sai perdendo, e muito, com o fim do PE Bodycount. O site não se limitava ao papel de contador de homicídios, e tal versatilidade foi o que rendeu amplo reconhecimento ao trabalho. Infelizmente, o tema da segurança pública ainda é subestimado ou tratado de forma simplista pelo poder público e por grande parte da mídia. É considerado um vespeiro no qual poucos querem colocar as mãos.

Na sociedade civil, a compreensão da importância do tema já é maior, mas ainda insuficiente para que projetos como o PE Bodycount tenham condições de sobreviver. A ausência de patrocínios e incentivos a práticas como as do site é fatal

Mais informações e um pouco da repercussão do fim do PE Bodycount seguem abaixo:

http://www.pebodycount.com.br/home/index.php

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2010/09/09/referencia-desde-2007-contador-de-homicidios-de-pe-e-desativado-por-falta-de-recursos.jhtm

terça-feira, 31 de agosto de 2010

A “brilhante” ação de sábado da PM, em Heliópolis

No último sábado, a TV Record exibiu uma reportagem na favela de Heliópolis, a maior de São Paulo, mostrando como a PM acabou com uma boca de fumo no local. A estratégia adotada: policiais se passaram por candidato e cabos eleitorais para se aproximar da comunidade e descobrir quem chefiava a boca de fumo.

Na matéria, a ação foi retratada como de um grande sucesso, como se o tráfico em Heliópolis acabasse após o episódio. Mas não é preciso muito esforço para perceber como esse “peixe vendido” está estragado. Vamos aos fatos:

1 - A maior favela de São Paulo não tem apenas uma boca de fumo. Aliás, Heliópolis tem suas próprias subdivisões, e o ponto de venda estourado é apenas um deles, existente em uma dessas subdivisões. Os demais permanecem, ao que parece, intactos

2 – A “tática usada”, de se passar por cabos eleitorais. De início, já é um erro divulgar a estratégia usada para debelar um crime, uma quadrilha e afins. Uma superestimação que, na verdade, não mostra a “inteligência” da polícia, mas justamente a falta da mesma. Em um jogo de xadrez ou de pôquer, você revela suas armas, sua estratégia para ganhar o jogo? Elementar que não...

3 – ainda sobre a brilhante tática adotada pela PM: agora, será bem complicado para um candidato bem intencionado – sim, eles são minoria, mas de fato existem – fazer campanha em Heliópolis. Como a comunidade vai saber se são candidatos ou policiais disfarçados? E quem ganha com esse jogo são os criminosos...

Há outros pontos falhos na “bem sucedida” intervenção da PM em Heliópolis, mas os três já citados mostram que a corporação tentou, literalmente, jogar para a torcida e mostrar serviço. E também para perceber que esta ação foi um belo tiro n’água.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Iniciativa rara, precedente positivo

Se o post anterior fala de um precedente perigoso, agora aí vai um daqueles que podem ser amplamente positivos

Em uma iniciativa rara, o Ministério Público de SP pede o seqüestro de R$ 162 mil apreendidos de um integrante da facção criminosa PCC em 2005. O dinheiro seria usado para garantir indenização à família do bombeiro João Alberto da Costa, morto em maio de 2006 durante um ataque da organização.

A expectativa é de que a decisão, caso seja favorável, abra precedente para que outros agentes policiais, civis ou militares, ou mesmo pessoas comuns, possam ser indenizadas por prejuízos decorrentes de atos criminosos.

“É necessário que a sociedade saiba que qualquer lucro, qualquer bem oriundo de atividade de organização criminosa poderá e será utilizado para o ressarcimento de danos e pagamento de indenizações a policiais – civis ou militares – que porventura tombem na defesa da sociedade, bem como de pessoas honestas que sejam também atacadas pelo crime organizado”, diz o promotor de Justiça Carlos Roberto Marangoni Talarico, autor da ação, em reportagem do UOL Notícias. A matéria pode ser lida por meio do link abaixo:

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2010/08/24/mp-pede-sequestro-de-r-162-mil-do-pcc-para-indenizar-vitimas-de-ataques.jhtm

OK, até agora a iniciativa merece palmas. Se a Justiça acatar a decisão, pode gerar um precedente positivo. Mas ela também valeria para as 493 pessoas que morreram após a reação da PM aos ataques do PCC em maio de 2006? Ou os familiares das vítimas dos chamados Crimes de Maio continuariam à margem do processo de apuração das mortes?

Aí está uma boa pergunta que não quer calar, mesmo que insistam em mantê-la silenciada

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Precedente perigoso

Após uma série de assaltos a shoppings de São Paulo nos últimos meses, alguns centros de compras da cidade resolveram adotar a solução mais “rápida” contra a insegurança gerada pelos crimes: colocar segurança privada armada para proteger lojas e consumidores.

Essa solução, aparentemente a mais prática, rápida e efetiva a ser tomada, está longe de ser a melhor.

Ao que parece, a maioria da população já se esqueceu do ocorrido com o aposentado Domingos Conceição dos Santos, de 47 anos, que foi morto por um segurança particular armado ao tentar passar pela porta giratória de uma agência bancária em São Miguel Paulista, zona leste de São Paulo. Barrado por possuir um marca-passo, o aposentado discutiu com um dos vigilantes da agência, que atirou contra a cabeça de Domingos.

Para refrescar a memória, aí vai a notícia sobre a morte de Domingos:
http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u733229.shtml

Logo após a tragédia, mais uma vez falou-se na questão da segurança privada, mas o episódio logo foi esquecido – pessoa pobre, zona leste da capital, pouco elementos que ajudam a fixar o fato na memória popular.

Agora, após o caso dos shoppings, a segurança armada privada aparece como solução para garantir a integridade de consumidores e lojistas – até a próxima tragédia, naturalmente...

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Nacionalidade com prazo de validade

Tarde de terça-feira, 15 de junho de 2010. A hora do rush começa mais cedo em São Paulo, por volta das 12h. Motivo: quase todos tentam garantir um lugar para assistir à estreia do Brasil na Copa ,que aconteceria às 15h30, frente à fraca seleção da norte-coreana .

Críticas à “seleção de volantes” ficam para trás. O que importa agora é chegar em casa o quanto antes e torcer pelo Brasil.

Que bela mostra de nacionalidade, de orgulho em ser brasileiro!

A cidade fica enlouquecida. Estabelecimentos fecham mais cedo, ruas ficam entupidas –
mais de 200 km de lentidão nas ruas paulistanas, faltando uma hora para o jogo. Uma mistura de hora do rush no asfalto com fim de tarde de domingo nas calçadas e lojas.
Abertos, apenas os milhares de bares e botecos que receberão público para o jogo.
Empresas dispensam funcionários, enquanto outras montam estruturas que permitem ao empregado não perder um lance do jogo. Demonstração de bondade dos patrões que só é possível notar em época de Copa.

Mais uma amostra de nacionalidade, de orgulho em ser brasileiro!

Pouco a pouco o caos no trânsito dá lugar a um aspecto de cidade-fantasma, o clima de feriado das calçadas se instala no asfalto. Quase todos estão em casa ou em algum bar ou mesmo no trabalho acompanhando o jogo. Para quem ainda está no meio do caminho, nada que os telefones celulares, ‘mp’s em geral ou mesmo a boa vontade do próximo em dividir seu fone de ouvido ou mini-televisor não resolva...

Outra amostra de nacionalidade, de orgulho em ser brasileiro!

O jogo é decepcionante, mas termina com vitória brasileira por 2 a 1. Quase uma Vitória de Pirro, daquelas que têm o gostinho amargo da derrota e do “muito mais poderia ser feito”. Mas é só a estreia na Copa, ainda há ao menos mais dois pela frente. Isso sem contar as prováveis oitavas, quartas de final, semi e finalíssima. Nas horas antecedentes de cada jogo – exceção feita aos que caírem aos domingos – é bem provável que o cenário se loucura, caos e companheirismo se repita.

Mas esse sentimento nacional do brasileiro, sentido nas ruas e reforçado pelas propagandas de cerveja, bancos, telefonia celular e etc, continuará depois da Copa? A julgar pelas Copas anterioes, com ou sem título, a euforia é passageira. O efeito da anestesia chamada seleção brasileira passa, os problemas ficam. A indiferença política do brasileiro também, e com ela as eternas reclamações de que “esse país não vai para frente".

Ou seja, no geral – porque sempre tem aquele que torcerá para a Argentina, Alemanha ou mesmo para a gloriosa Eslovênia – brasileiro é Brasil até morrer, no máximo, até a semana de 11 de julho, data a da final da Copa. Após essa data, as mostras de nacionalidade, de orgulho em ser brasileiro ficam de lado e voltam a predominar o marasmo e a indiferença sócio-política da maioria da população.
Nacionalismo com prazo de validade...

sábado, 16 de janeiro de 2010

Do esquecimento a alvo da hipocrisia

O caos provocado pelo terremoto que atingiu o Haiti na terça-feira levou o pobre país caribenho às manchetes da mídia em todo o mundo. Estimativas apontam para no mínimo 50 mil mortos no desastre. Mas tamanha tragédia parece não comover a mídia e os grandes líderes internacionais, que tentam ganhar poder, prestigio, respeito e audiência em cima da dor e do sofrimento dos haitianos.

A terra até então esquecida e ignorada pela comunidade internacional aparece na pauta do dia de reuniões entre governos e vira alvo de declarações públicas. Na teoria, é a boa vontade dos paises ricos em ajudar o Haiti a se reerguer da tragédia. Na prática, apenas uma série de bravatas hipócritas que tentam atrair os holofotes da mídia e encobrir as omissões para com o país caribenho. De que adiantam conferências para discutir a tragédia no Haiti, como propõe o presidente francês Nicolas Sarkozy? Logo a França, uma das responsáveis diretas pelo atraso do Haiti e que até então ignorava sua ex-colônia?

Já não bastasse toda a dor e a dimensão dessa tragédia, a mídia parece ainda não satisfeita. Corpos a céu aberto nas lentes de câmeras de TV e máquinas fotográficas; resgates dramáticos transmitidos em tempo real; a dor de milhares de pessoas que perderam tudo o que tinham transformadas em espetáculo e artifício para conseguir audiência. Imagens explícitas não são suficientes para traduzir tamanho sofrimento? Mídia e sociedade parecem ter perdido a sensibilidade sobre o mundo.

O que será do Haiti quando o assunto “esfriar”? Continuarão a mídia e a comunidade internacional interessados no que acontece nesse paupérrimo país do Caribe? Ou o Haiti voltará para o lugar que até agora ocupou, entregue à própria sorte? Apesar do pensamento positivo, a tendência é que o destino do Haiti caminhe para a segunda hipótese, até a próxima tragédia.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"Quem guarda os portões"

Prender simplesmente basta para corrigir uma pessoa que cometeou um crime? Ou algo deve ser feito para mostrar a essa pessoa que há um outro caminho a seguir?

Para certos setores da sociedade, “bandido bom é bandido morto”. Ou apenas na cadeia. Mas as pessoas se esquecem de que a pena não é para toda a vida, por mais longa que seja. E esse indivíduo infrator vai voltar a essa mesma sociedade um dia, e pior do que quando chegou à cadeia. Ou seja, cria-se um círculo vicioso.

No entanto, há iniciativas e procedimentos – muitos deles até simples – que, se adotados, ajudam a dar uma outra perspectia da vida ao infrator. Ele errou, claro, e precisa pagar pelo que fez. Mas isso não quer dizer que ele não mereça um tratamento adequado dentro da prisão e, caso ele se proponha, dar a ele elementos com os quais ele possa dar início a uma nova vida após a pena.

Estes são alguns dos temas abordados na série de programas “Quem guarda os portões”, elaborado por Alexandre Saconi e Rodrigo Borges Delfim como trabalho da conclisão de curso (TCC) na faculdade de Jornalismo da PUC-SP, focado no sistema prisional feminino. Mas o raciocínio acima também vale para o sistema masculino.

Em breve, novos temas relacionados ao sistema prisional, segurança pública e Direitos Humanos serão tratados aqui neste epsaço. Por enquanto, quem se interessar em saber mais sobre a série de programas do TCC pode baixar os áudios nos links abaixo:

Parte 1 - O sistema prisional
http://www.4shared.com/file/177661833/516ea1dd/Parte_1_-_O_sistema_prisional.html

Parte 2 - As presas
http://www.4shared.com/file/177662283/adb8522e/Parte_2_-_As_presas.html

Parte 3 - Iniciativas
http://www.4shared.com/file/177662664/aa5642df/Parte_3_-_Iniciativas.html

Parte 4 - Perspectivas
http://www.4shared.com/file/177661421/af6108d4/Parte_4_-_Perspectivas.html